Sílvio Bernardes
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O amanuense Costa
O amanuense Costa trabalhava na repartição do serviço de água e esgoto da prefeitura e ali recebia o Holerite na boca do caixa – ambiente de atuação do amigo Pedrosa. Naquela instituição alguns servidores atendiam pelo primeiro nome, outros por um apelido, mas muitos eram conhecidos pelo sobrenome, como o Costa, o Maciel, o Batista, o Ferreira e o Pedrosa. O escritório do serviço de água – ou o setor administrativo, como queriam alguns – funcionava no centro da cidade. Num bairro distante ficava a parte operacional do serviço, lugar que muitos conheciam como “Filtro”. Para chegar ao trabalho, Costa pegava o bonde Cruzeiro/Centro e o motorneiro já se tornara velho conhecido.
Todo dia era a mesma coisa: acordar cedo, vestir o terno de todo dia, coar o café, chamar a patroa – razão dos seus melhores versos de poeta bissexto e herdeira de um provável montepio minguado –, tomar o café (uma boa média com pão e manteiga) e ganhar o caminho da repartição. Antes de pegar o bonde, passava no jornaleiro para apanhar o matutino Folha da Noite, pelo qual distraía com notícias ordinárias de uma cidade ainda provinciana.
Costa não tinha filhos. Ele e a patroa viviam uma vidinha simples, que se não oferecia grandes sonhos, também não promovia maiores problemas daqueles de difícil solução. O medo maior do amanuense Costa era uma interrupção não programada de sua vida profissional, uma doença séria que o impedisse de trabalhar. Foi dessa forma que aconteceu com o colega Osvaldino, que tendo ficado ruim dos pulmões, deixara a condição de amanuense para tornar-se encostado do IAPI, recebendo um escasso ordenado que mal dava para o boticário e a caderneta do armazém. Mas o Costa não estava ruim dos pulmões, nem do coração, nem do fígado e nem dos tutanos. Como dizia o outro, o Costa, com seus sessenta e poucos anos, estava vendendo saúde.
Na repartição, o amanuense Costa chegava sempre cedo. Colocava o chapéu e o guarda-chuva num cabide próximo da cozinha. Tomava um cafezinho e se dirigia para a sua mesa de trabalho. Ali, tocava o dia entre papelada, caneta de anotações, carimbos, tinteiro, mata-borrão, cafezinho, cigarro, prosas com os colegas – muitas delas cheias de veneno e malquerença. Todo dia era sempre igual. Mas foi aí que o chefe Maciel aparece com a novidade.
– Pessoal, quero apresentar-lhes a Dona Angélica, nossa nova colega de trabalho. A partir de hoje ela estará conosco para nos atender e nos ajudar a desembolar o serviço e a fazer desta repartição o melhor em qualidade e eficiência – disse com grande entusiasmo.
Dona Angélica era uma mocinha saída dos seus vinte anos. Ela chegou iluminando todo o ambiente e a todos conquistou com sua beleza juvenil, com sua vozinha docemente rouca e com o seu jeitinho angelical. O amanuense Costa ganhou vida nova. Foi amor à primeira vista, ele confessava para si em noites mal dormidas. Diante de Dona Angélica se desmanchava em sorrisos, gentilezas e salamaleques. Daquele dia em diante a repartição tornara-se o seu céu, o paraíso, o lugar onde um anjo pousara na condição de secretária da burocracia de uma repartição pública. Em casa a patroa não desconfiou que agora ele se arrumava melhor para o trabalho. Até água de cheiro o Costa usava. Deu até para pintar de preto os cabelos e o bigode que teimavam em nevar. Gastava potes de gomalina e ganhara um apelido na repartição: Clark Gable dos pobres.
Puxa vida, que massada! Antes da Dona Angélica o Costa era chamado de Costinha (ou Bostinha, em conversas à boca pequena).