QUE HISTÓRIA É ESSA?

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Sílvio Bernardes

smabernardes@hotmail.com

Comeu com angu

Com esse tempinho de chuva a comida de angu é uma excelente pedida. E angu vai muito bem com frango e quiabo, com carne moída e abobrinha, com couve, com arroz e, claro, com feijão. Dizem os mais velhos que eu quando criança muito pequena gostava tanto de feijão com angu que muitas pessoas chamavam aquele molequinho de “feijão-com-angu”. Os meus anos de experiência com um colosso de comida não tiraram o meu apetite diante de um prato de angu. Chego a me emocionar, a boca se enche d’água e “inté a vista se atrapaia, ai, ai”. Mas não era isso que eu queria contar aqui. Minha lembrança de hoje se remete à expressão – já em desuso – muito do gosto de minha mãe dona Luzia e, certamente, de outras pessoas lá no passado: “comer com angu”. Alguma coisa desaparecia e o povo logo lançava mão da expressão peremptória: “comeu com angu” ou, quando a raiva era maior: “enfiou naquele lugar (sic)”. Um brinquedo ou outro objeto qualquer que se estragava e lá vinha a acusação do adulto impertinente: “comeu o trem com angu, né?”. E ainda fazia a pergunta derradeira – antes de um sopapo no dito cujo: “e agora?”

 –  Menino, cadê a caixa de lápis que eu comprei p’rocê mês passado? Já comeu com angu?

– Isa, fia de Deus, dondê que tá a fita cor-de-rosa que eu pus no seu cabelo agorinha mesmo? Não vai me dizer que já comeu ela com angu?!

E tudo a gente comia com angu, sem se preocupar com a indigestão: as bolinhas de gude, as figurinhas mais massas do álbum, a linha e o papagaio, o para-casa que a professora encomendara, o bilhete da diretora do grupo escolar, o dinheiro do leite, o troco do pão, a caderneta escolar com as notas finais… Não havia São Longuinho que desse jeito. Tudo some, tudo cria asas… e a coisa vira um angu de caroço. Cadê o toucinho que tava aqui? O gato comeu… comeu com angu.

E hoje eu fico pensando nisso e em tantas coisas desparecidas da nossa vida, da nossa história. As brincadeiras de roda, as ruas apinhadas de meninos jogando bola de meia e bola de gude, os namoros inocentes, as horas dançantes, o cinema do interior, as festas de barraquinhas, os beijinhos roubados no portão, a caderneta escolar (cheia de notas vermelhas), os programas infantis da televisão, os festivais de música, a audiência do rádio, a visitas das comadres, as serenatas, a doce fantasia da infância…  Será que o povo grande comeu tudo com angu?

FONTE:  zetrusk.blogspot.com

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