Sílvio Bernardes
smabernardes@hotmail.com
Bloco do “Eu Sozinho”
Ele apareceu num carnaval que não me lembro qual, mas desde então sua presença foi uma constante, sempre apreciada pelos foliões e o grande público daquelas folias momescas. Ele era o artista solo do “Bloco do Eu Sozinho”, que mais tarde, eu soube chamava-se Newton Regal – e muito mais tarde compreendi tratar-se do pai do meu amigo e ex-colega no Departamento de Cultura da prefeitura, o artista plástico Vinícius Regal.
Nos carnavais da Silva Jardim e da praça da matriz, o artista que se autodenominava um “bloco” solitário nunca estava só, vivia cercado de fãs de todas as idades, especialmente crianças. Também outros foliões performáticos, como o “Miss Itaúna”, queriam desfilar junto com ele – contrariando a sua individualidade carnavalesca. Todos se encantavam com sua performance, sempre renovada a cada folia.
Como era prazeroso vê-lo surgir na avenida e desfilar para lá e para cá, com uma dignidade de um mestre-sala, envergando a sua fantasia, que podia ser de Pantera Cor-de-Rosa, de Galo, de Carlitos, de Sujismundo, de Tio Sam, de Aiatolá Khomeini (“Vai atolá Khomeini”), de Bebê de Proveta ou de uma bomba de gasolina. Um tempo em que a tecnologia não era tão sofisticada, não havia material disponível para certo tipo de figurino e adereços com os quais o nosso artista compunha a sua figura ele dava asas à sua criatividade e fazia o carnaval muito mais rico. A habilidade do fazer artesanal era o grande recurso. A confecção de roupas e instrumentos dos personagens oportunizava a criatividade do grande artista Newton Regal. Até o seu estandarte era bacana.
Nós, moleques de calças curtas, víamos nos espetáculos carnavalescos a grande fantasia da nossa meninice. A magia dionisíaca dos rituais das bacantes, embora não tínhamos consciência disso. O colorido dos circos que não largavam da nossa memória. E queríamos todos ir à praça da Matriz todos os dias de carnaval para assistir aos nossos adoráveis artistas, como aquele moço do “Bloco do Eu Sozinho”. Ficávamos ansiosos para saber qual seria a sua fantasia naquele desfile. Chegávamos a bater apostas, com base em nossas próprias elucubrações e conjeturas: o galã da novela tal, o candidato desastrado a governador, o ícone do cinema, morto naquele ano, a representação simbólica de nossas ilusões perdidas.
Fico imaginando o Newton Regal hoje compondo o seu “Bloco do Eu Sozinho”. Ele iria ficar muitíssimo indeciso diante de tantas inspirações, do mundo da arte e do esporte, da política equivocada e genocida, dos espetáculos de horrores da nossa sociedade, da fantasia infantil sempre com farto material para a magia. Talvez o seu desfile não teria tanta graça como as performances promovidas na passarela de outros carnavais.