QUE HISTÓRIA É ESSA?

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Sílvio Bernardes
smabernardes@hotmail.com

As amargas, não!

Outro dia eu e um amigo conversávamos acerca de reminiscências de nossa juventude, quando ele observou que em geral a gente privilegia as memórias que nos foram boas. Temos a mania de apagar (ou deletar) os acontecimentos menos felizes. Pelo menos é assim quando a gente conversa com alguém sobre eles.

Isso justifica o título aí em cima: “As amargas, não!”, copiado ipsis literis o nome de um livro de lembranças do poeta gaúcho/carioca Álvaro Moreyra (1888-1964).  Então, vamos buscar apenas as doces recordações, aquelas lembranças com as quais saboreamos com alegria e um sorriso estampado na cara.

Cê lembra de quando a gente se reunia na casa de um amigo, para juntos irmos a um programa da turma? A casa do amigo era o quartel-general de um grupo de rapazes (e, de vez em quando, de moças também) que saía para se divertir num dia comum, para rezar, ir à escola ou para o ensaio do teatro. Lá, a gente acabava usando pente do amigo, o espelho do banheiro, o creme de cabelo, filava um tiquim de perfume e, até, um trem de comer. Generosas eram as mães que ofereciam àqueles moleques um pedaço de bolo com café, biscoitos, ou até – oba! – janta feita com o que sobrou do almoço.

Íamos à casa do amigo para brincar, trocar figurinhas, combinar um passeio ou para nada, apenas para estar juntos. Chegávamos à casa do amigo e, já no portão,  dávamos o sinal da nossa presença: um assobio ou um grito (de guerra) conhecido nosso. Às vezes chegávamos entrando porta adentro. Éramos da cozinha da casa e a casa – como a minha naquele tempo – não tinha trancas nas portas. E, por isso, era um entra e sai o tempo todo. “A casa fervia de gente, de amigos dos meninos”, como dizia a mãe.

Cê lembra quando ficávamos dias, meses, até um ano, atrás de uma música, de um disco ou de um livro? Aí, era muito bom quando um amigo nos convidava para ir à sua casa ouvir aquela música, escutar o disco daquele cantor “que é o máximo” ou ver o livro que ele acabara de adquirir. Acompanhávamos com entusiasmo e, às vezes com uma ponta de inveja,  as considerações do amigo sobre aquele artista, determinada faixa do LP ou trechos do livro de poesias. “Que letra, cumpádi! Que melodia, repara só, sô!”, empolgava o companheiro. Queríamos saber de tudo daquela preciosidade. Queríamos ter uma daquelas também, ainda que fosse por pouco tempo. “Cê me empresta?”, pedíamos com disfarçada humildade.

Nos reuníamos aos domingos na pracinha da churrascaria Casa Velha, para ver a turma toda, trocar ideias, conversar fiado. Falávamos de livros, cinema, teatro, coisas de homem, assuntos de mulher… Achávamo-nos geniais.

Cê lembra dos passeios de fim de semana nos sítios? Geralmente íamos de ônibus até um certo trecho, depois, andávamos pra caramba em estrada de terra. Aí, a natureza era o tema da conversa. Fazíamos  reuniões  para programarmos o passeio no sítio e  os piqueniques, especialmente para falarmos da comida e da bebida.  Muita batata, para fritar. Pipoca. Linguiça para assar no fogão de lenha. Não pode faltar baralho para as rodadas de Buraco e Truco.

Cê lembra quando a gente saía para ver o por do sol? Ah o por do sol no morro do Bonfim! E a lua, vista do terreiro da casa da roça? Massa demais. Doida demais.

Mãe, me dá essa lua! Eu quero ver o por do sol, lindo como ele só. E gente pra rir e viajar – a pé, de ônibus, de charrete ou de carro velho!