Sílvio Bernardes
smabernardes@hotmail.com
A minha classe do grupo escolar
“Menino, volte para a sua classe! Corredor não é lugar de aluno ficar zanzando. Vamos, chispa!”. Era a voz da inspetora de alunos no meu tempo de grupo escolar. A classe era a sala de aula e o grupo escolar era onde a gente aprendia o abecedê, as continhas de mais, de menos, de vezes e de dividir. No grupo escolar os alunos estudavam Aritmética, Linguagem (que depois virou Comunicação e Expressão), História, Geografia, Ciências… No meu grupo escolar funcionava o ensino primário (de primeira a quarta série) e o jardim de infância, a chamada pré-escola. Mais tarde, noutro educandário – no meu caso, no “Curso Complementar” –, aprendíamos também Inglês, Educação Artística, Moral e Cívica (que depois virou OSPB ou Organização Social e Política Brasileira). Era época da ditadura militar no Brasil. Uma beleza. Éramos uns meninos bonitos, penteados e de uniforme limpinho. Camisinha branca, calça azul marinho, sapatinho preto com meinhas brancas era o nosso uniforme. Avante, meninos! Íamos marchando felizes, carregando uma bandeirinha do Brasil. Cantávamos, ufanos, o Brasil verde-amarelo em tempos de “parada de sessetembro”: “Salve, lindo pendão da esperança/ salve, símbolo augusto da paz”, “Já podeis da pátria livre/ ver contente a mãe gentil/ já raiou a liberdade/ no horizonte do Brasil”, “Este é um país que vai pra frente/ ô,ô, ô, ô…”, “Eu te amo, meu Brasil/ eu te amo!/ Ninguém segura a juventude do Brasil”. Ninguém segura a juventude do Brasil?
Eu era um aluno de classe… da classe C ou D, eu acho. Odiava matemática. Tinha um pavor medonho de ficar em segunda época, de tomar bomba no fim do ano. A matemática seria o instrumento ideal para este infausto desfecho. Gostava mesmo era de literatura, de poesia e do recreio – e muitíssimo da hora da merenda. A vida na escola, principalmente fora da sala de aula – mas não na diretoria – era uma festa. A molecada em algazarra no pátio, sob os olhares da inspetora e do Sô Lalá – o porteiro de cara fechada, mas que era a mãe da paciência. Minha escola era enorme. “Grupo Escolar José Gonçalves de Melo”.
– Quem foi esse Zé Gonçalves de Melo?
– Uai, eu sei lá. Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe. Eu sei quem é o autor de “minha enxadinha trabalha bem/ corta o matinho num vai e vem…”. É o meu xará, o poeta Sílvio Romero.
– Mentira, quem te falou isso?
– Tá lá no livro, seu bocó. “As mais belas histórias”, da Lúcia Casasanta.
– Ah, é! E quem disse: “olá, meu docinho, eu sou o anjo da floresta”?
– Essa é facinho, foi o lobo mau, aquele que pega criancinha pra fazer mingau.
– Ah, então quanto que é setecentos mil vezes oitocentos milhões e quinhentos?
– É, bebé, mamá na gata cê não quer, né?
– Ixi, lá vem a dona inspetora, acompanhada daquela grandona, espanador da lua. Vamos picar a mula, chispá!