Que história é essa?

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Sílvio Bernardes

Conversa pra boi dormir

Não sei se é mera coincidência, mas depois que a minha mãe Dona Luzia morreu, há dezessete anos, deixei de ouvir algumas expressões que eram dela ou a sua cara. O tempo mudou muito nessas quase duas décadas. O povo deferençou demais nessas épocas que agora navegam nas águas turbulentas da internet. E deixa de gostar para curtir – com um joinha ou um coração –, de ficar de mal (de belem-belem nunca mais te quero bem) para deletar, que prefere impulsionar mensagens e publicações em vez de escrever cartas, mandar recadinhos do coração; ou que perde a oportunidade de deixar bilhetes na porta da geladeira para enviar WhatsApp, a torto e a direito, com uma fúria de quem veio da guerra… Aliás, a expressão “veio da guerra” era a mãe nos chamando a atenção quando um dos seus filhos se amontoava em cima de um prato de qualquer trem de comê como se não houvesse amanhã. “Minino, cê veio da guerra? Não é só Deus que mata não, sô!”, ralhava docemente a Dona Luzia.

Dizer “manda brasa”, era, naquele tempo, orientar, instruir, para dar sequência a algum assunto pendente, um afazer que se parou no meio do caminho. “Posso continuar?”, perguntava o fulano. “Manda brasa, sô!”, respondia o sicrano. E os tais do fulano, sicrano e beltrano frequentavam nossas conversas com uma familiaridade interessante. Não sabíamos quem eram os tais, mas era alguém que a gente devia saber. Quem é esse fulano de que cês tão falan…? “Não meta o nariz onde não é chamado, porqueira! A língua é o chicote do corpo”, o recado era peremptório. 

– Hoje  eu acordei com a vó atrás do toco. Ahn? Que é isso?

– Arroia sua boca, que eu hoje eu tô com a macaca.

– Cala a boca já morreu, quem  manda aqui agora sou eu!

– Foi por isso que cê disse que viu a sua vó pela greta?

– Nossa, véi, tô no cu do zé fel… Hein? Tô cagado de arara. Tô num mato sem cachorro.

– Vem não, fii, desculpa de peidorreiro é barriga inchada. Cê tá é caçando indaca, imbondo.

– Vem catear marra pra cima de mim não, cheio de nove horas, querendo mostrar que é bom de sela! Vai ver o que é bom pra tosse. Vou te mostrar com quantos paus se faz uma canoa.

– Putz, gente igual ocê o capeta caga os monte.

– Não humilha não. E não facilita comigo porque tô faltando isso aqui ó, pra te dar uns catiripapo, uns tabefe no pé da oreia. Cê vai sair catando coquinho na estrada e vendo estrela como nunca em sua vida.

– Sei, tá pra nascer.

– Vou te arregaçar. Te partir em mil pedaços.

–  Nóis é do tempo das vaca gorda. Tempo de amarrá cachorro com linguiça.

– Nóis não amarra boi com embira, nem esquenta a piolhenta.

– Nóis deita no chão no chão pra não cair da cama.

– Nóis é mineiro e mineiro não dorme no ponto e nem perde o trem.

– E nóis é doido, doido de pedra, dum trem de doido que chegou lá das terras de Minas Gerais contado pelo Guimarães Rosa.