Sílvio Bernardes
Quando nasci, um anjo torto, desses que vivem escondidos nas bibliotecas, disse: “Vai, Sílvio, leia os livros do Fernando Sabino”. A tarde talvez fosse azul, não houvessem tantos desejos… O ônibus passa cheio de cabeças nas janelas e muitas estão, com certeza, noutras viagens, mas algumas seguem ali concentradas nas suas leituras, já que não havia celular naquele tempo. E era tanta página para ler, parceiro, que eu vou te contar.
Eu me perdi completamente quando li O Encontro Marcado, do Fernando Sabino. Foi antes dos anos de 1980, no século passado. Já o conhecia das crônicas: Deixa o Alfredo Falar, Hora de Dormir, A inglesa deslumbrada, O homem nu, Conversinha Mineira, entre outras. Tive com ele, pela primeira vez, nas páginas daqueles livros da coleção “Para Gostar de ler”, da editora Ática. Eu já gostava de ler nessa época, passei a gostar muito mais ainda. Eu era um ledô contumaz, incorrigível. Lia de tudo e com uma sofreguidão intensa como se não houve amanhã. Vivia com um livro sob os olhos, andava trôpego pelas ruas, atendo às páginas, querendo saber mais um pouquinho daquelas histórias, sobre este ou aquele escriba. O Fernando Sabino era um dos mais presentes nas minhas leituras. E, voltando ao O Encontro Marcado, por algum tempo a gente meio que copiava – ou tentava pelo menos – as peripécias dos três amigos Eduardo Marciano, Mauro Lombardi e Hugo Radiguet, em grupos de três, quatro, cinco, seis amigos, nem sempre os mesmos. Não frequentávamos a Praça da Liberdade, mas a Praça da Matriz, o banco da praça em frente à igreja de Sant’Anna. Íamos, também, na zona boêmia, no bar do Cici; no Bar Azul, no Cine Rex, no Bar do Cilico, nos passeios pelas madrugadas da cidadezinha acolhedora, nos banhos de rio, pelados. Fazíamos, como eles, festas, serenatas e muitas estripulias, que hoje fazem corar de vergonha esses senhores de idade provecta, hipertensos e de cabelos brancos.
Fernando Sabino entrou na nossa vida e não saiu mais, com ele trouxe os adoráveis Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos, o mais poeta dos cronistas brasileiros. Como ele, também pontuamos na imprensa – não na grande e venal dos grandes centros, mas na do interior, repleta de sonhos, romantismo e de erros de ortografia. Pelas mãos do Fernando também fomos conduzidos a outros mineiros como Marco Aurélio de Moura Matos e João Dornas Filho, itaunenses como nós; Murilo Rubião, João Etienne Filho, Autran Dourado, Ciro dos Anjos, Murilo Mendes, Osvaldo França Júnior, sem falar no Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Guimarães Rosa…
Na última quinta-feira (12), feriado nacional da padroeira Nossa Senhora Aparecida e o dia das crianças, foi aniversário do Fernando Sabino. Ele completou 100 anos de nascimento, já que nasceu no dia 12 de outubro de 1923 em Belorzonte. No dia 11 do seu mês de aniversário Sabino nos deixou e seguiu rumo à pátria espiritual para reunir-se, novamente, aos seus três amigos Hélio, Otto e Paulinho – e a outros tantos que partiram antes. Na sua lápide, no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro – cidade que ele adotou ainda muito jovem – está escrito como ele queria: “Aqui jaz Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino”.
Não o conheci pessoalmente, eu acho. Mas falei com ele por telefone duas vezes. Sempre muito amável e interessado em saber de Itaúna, este pequeno torrão mineiro onde nasceu seu dileto amigo Marco Aurélio Matos. Por causa dessas nossas (poucas) conversas e do meu interesse em trazê-lo à cidade para um dedo de prosa – coisa que nunca consegui –, enviou-me dois livros autografados: “Aqui estamos todos nus” e “Gente I e II”.
“De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.
Fernando Sabino – O Escolhido in “O Encontro Marcado”. Editora Record. 79ª edição. 2005