A INCRÍVEL VIAGEM DE BRÁS CUBAS AO TIKTOK

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@toniramosgoncalves*

Em 2022, o escritor mineiro Sérgio Rodrigues publicou o livro “A Vida Futura”, finalista do Prêmio Jabuti em 2023. Na trama fantástica e tresloucada, os falecidos José de Alencar e Machado de Assis, ao descobrirem que seus livros seriam reescritos para alcançar um público maior, deixam o Olimpo e chegam ao Rio de Janeiro de 2020. Lá, eles se envolvem com milicianos, conhecem uma jovem estudante tão enigmática quanto encantadora e se veem imersos nos debates contemporâneos sobre identidade.

Acreditem ou não, de certa forma isso realmente aconteceu. Machado de Assis retornou…, através de sua obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881). Como isso aconteceu? Bem, após um vídeo no questionável TikTok, a obra de “Machadão” entrou na lista dos mais vendidos da Amazon, na categoria de ficção latino-americana e caribenha. A leitora estadunidense Courtney Henning Novak resenhou a obra como parte de um desafio dessa rede social, onde ela lê um livro de cada país.

Flora Thomson-DeVeaux, tradutora do romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis para o inglês, comentou sobre o sucesso da obra após o vídeo viral. Nascida nos Estados Unidos, Flora tem 32 anos e vive no Rio de Janeiro. Em entrevista ao Jornal O Globo, ela revelou que leu “Memórias Póstumas” pela primeira vez na faculdade e traduziu o livro durante seu doutorado na Universidade Brown, publicando-o em 2020. Flora pesquisou a recepção do livro nos EUA, revisitou traduções anteriores e dialogou com a crítica. Ela não se surpreende com o sucesso do livro, destacando que “Brás Cubas” continua quebrando regras e encantando leitores com sua narrativa ousada e libertadora.

Para quem ainda não o leu, trata-se de um romance em que um autor defunto revela os segredos da sociedade carioca do século XIX. O salto que a literatura de Machado de Assis dá com este livro é surpreendente. Logo no início, há a dedicatória irônica: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico como saudosa lembrança estas memórias.

Apesar de provocar alguma estranheza quando foi lançado, é o romance mais inovador (e engraçado) já escrito por um brasileiro. Seu personagem, Brás Cubas, meio canalha, mas muito charmoso, compõe no além-túmulo um exame ao mesmo tempo cáustico e complacente, melancólico e cômico de sua existência medíocre e ociosa. A leitura é fácil devido aos capítulos curtos, alguns compostos apenas por pontos, exclamações e interrogações, e até capítulos em branco, que prefiguram a irreverência característica da narrativa moderna.

Do imortal Machado de Assis, eu li o livro em destaque e “Dom Casmurro” (1899), que considero suas obras-primas. Iniciei a leitura de “Iaiá Garcia” e “Esaú e Jacó”, mas, assim como o escritor Dalton Trevisan, achei este último um romance tedioso e sem vida. Muitos acreditam que Machado se realiza melhor na narrativa curta do que no romance, e confesso que alguns de seus contos são bem água com açúcar, como “Missa do Galo.” Você, caro leitor, deve estar me praguejando ao ler minhas impressões. Mas acalme-se, pois reconheço a genialidade e a importância deste escritor brasileiro para a literatura mundial.

Quanto à genialidade do autor, o crítico João Cezar de Castro Rocha, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, afirma que não faz sentido dizer que Machado de Assis nasceu um gênio. Ele alcançou a genialidade através de muito esforço e dedicação.

Joaquim Maria Machado de Assis teve uma das histórias de sucesso literário mais improváveis. Nascido em 1839, no Rio de Janeiro, era filho de uma lavadeira e de um pintor, e neto de escravizados libertos. Sem nunca ter frequentado uma universidade ou visitado a Europa, o autor tornou-se a figura central da literatura brasileira de seu tempo.

Como todo grande escritor, Machado de Assis é inesgotável: presta-se às interpretações mais diversas, muitas delas conflitantes (sem mencionar o problema insolúvel, mas irresistível, que “Dom Casmurro” propõe ao leitor: Capitu, afinal, traiu ou não Bentinho?). Uma mostra da vitalidade de sua obra está em seu potencial de inspirar conflitos entre seus personagens.

O esforço de Machado para se afirmar como escritor passou pela poesia e pela crítica teatral, antes de descobrir a prosa de ficção como veículo ideal para seu talento. Passada a juventude e a errância de um trabalho para outro, Machado finalmente encontrou estabilidade econômica e afetiva casando-se com a portuguesa Carolina – uma mulher muito culta – e enfim, empregado como funcionário público no Ministério da Agricultura.

Entre 1878 e 1879, o escritor enfrentou sérios problemas de saúde, incluindo crises nervosas (ele era epilético), problemas digestivos e uma infecção ocular. Para se tratar, ele passou uma temporada em Nova Friburgo. O retiro no interior foi fundamental para que o autor reunisse forças e inaugurasse a nova fase de sua obra, com “Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Um clássico se mede por sua atualidade. A ressurreição literária de Machado de Assis através do TikTok é um testemunho do poder das redes sociais na era digital. A viralização de seu livro mostra como a literatura clássica pode encontrar novos públicos e relevância contemporânea, quebrando barreiras temporais e culturais.

Além disso, a trajetória de Machado de Assis é um exemplo de superação e genialidade construída através de esforço e dedicação. Apesar de suas origens humildes e das adversidades enfrentadas ao longo da vida, este gênio tornou-se um dos maiores escritores da literatura mundial, capaz de transitar entre o cômico e o melancólico, o trivial e o profundo. E a escrita de Machado se identifica com o nosso Brasil. Independentemente das preferências individuais sobre suas obras, é inegável a influência duradoura e a importância de Machado de Assis no panorama literário global, inspirando leitores e críticos a repensarem e redescobrirem continuamente suas contribuições.

Finalizo com as palavras de Jeandson Fernandes: “O verdadeiro imortal, não é aquele que nunca morre. Mas sim aquele que mesmo depois de morto continua em nossas mentes.

* Toni Ramos Gonçalves (Não é o Global)

Professor de História, Escritor, Editor, ex-presidente e um dos fundadores da Academia Itaunense de Letras – AILE.