Que história é essa? Das campanhas eleitorais de antigamente

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Sílvio Bernardes

Velhos caminhões serviam de palanque eleitoral quando o voto era de cédula de papel, em tempos de amarrar cachorro com linguiça. Os caminhões-palanque ficavam apinhado de gente – que nem festa da Queima do Judas, lá de trás – e de faixas e retratos dos candidatos. As campanhas eleitorais, como nós falamos esturdia, eram na base da conversa do pé-de-ouvido, do tête-a-tête, do tapinha nas costas cheio de gentileza e sorrisos. Os candidatos às eleições municipais gastavam sola de sapato para ir de casa em casa levando suas propostas (sic) e pedindo uma ajuda, como mendigos daqueles tempos, famintos de votos.

– Meu fi, dá uma força, me ajuda aí, que eu te ajudo depois. Uma mão lava a outra e as duas lavam a cara (cara de pau), como diz o outro!

 Gastava-se tempo, saliva e gastava-se sola de sapato, mas valia a pena.

Teve um candidato, ele me disse, que queimou o sofá da casa de um possível eleitor. Foi sem querer. O cigarro – naquele tempo o candidato fumava na casa (e na cara) do eleitor, depois de uns e outros cafezinhos – caiu do cinzeiro colocado no braço do sofá e, por sorte, do político, o dono da casa não viu (ou fingiu que não viu). Saiu de fininho o pedinte eleitoral, sem contar o ocorrido (cara de pau) e sem esperar mais um cafezinho. Não foi eleito e, certamente, não ganhou nenhum voto naquela casa.

E tinha um candidato por aqui que andava com um vidrinho de álcool no bolso para desinfetar as mãos sempre após cumprimentar pobres.  E nem era tempo de Covid, como recentemente nos sucedeu. Ele realmente tinha muita dificuldade de se misturar com pobre. Era um sujeito muito gabola, arrastador de mala, papudo, cheio de nove horas. Não foi eleito, nem com votos de pobres, nem com votos de ricos. 

– Meu povo! É com o coração alegre e a  alma mais alegre ainda, que me dirijo a todos vocês, que são gente da mais alta envergadura. Povo batuta. Fruta selecionada. Feijão sem bicho! Se eleito for, mandarei construir uma ponte nesse rio e prometo unir as duas comunidades, de gregos e troianos…

– Ué, candidato, aqui tem nem tem rio…

– Isso não é problema, mandarei construir o rio também.

– Minha gente – Muito Amo minha Gente, lembram?  – se eleito, minha primeira medida é acabar com a fedentina desses curtumes que infestam o centro da cidade e faz de uma das principais artérias de nossa comunidade um canteiro de bosta de ponta a ponta. Não somos o nordeste para ter tanta catinga na cidade. Que fedentina é essa, gente?

– Meus queridos pasto-das-eguenses! Venho aqui… (o pronunciamento foi interrompido por causa de uma saraivada de palavrões e objetos lançados ao palanque: sapato, chapéus, guarda-chuva, pedra, copo, bolas de papel – feitas com o santinho do dito cujo. O gentílico emprestado aí não foi e não é bem aceito pelo povo do antigo “pasto das éguas” (perdão!) e o boboca do candidato, mal assessorado, caiu que numa esparrela. Saiu de lá escorraçado como um integrante da torcida do time adversário em dia de final de campeonato. Viu a vó pela greta, coitado!

– Povo da minha amada Sant’Ana do São João Acima, terra que rompeu em minha mocidade os estertores das minhas mais acalentadas utopias. Terra de meus amores e dos meus humores. Torrão natal dos meus avoengos e em cujo seio quero sepultar os meus despojos quando Deus me chamar à sua morada. Meu povo querido, estas mãos são as que trabalham, esses pés são os da caminhada firme e resoluta para o bem. Amantes, nunca as tive! Nesses bolsos jamais entrou um níquel que não seja fruto do meu suor…

Alguém murmurou lá embaixo do palanque: “Está usando um terno novo, o safado”. E mais alguém deu uma gostosa gargalhada. Outro alguém começou um buchicho que só fez aumentar as gargalhadas e os comentários cheios de veneno e malquerença. Por sorte – do dito cujo – alguém puxou os aplausos e o povo não se deu conta das conversas que se ali instalaram à boca pequena.