Que história é essa? Escrever (e receber) cartas

"A tua carta, criatura/ que recebi com simpatia/ está cheia de ternura/ e de erro de ortografia. ” (JOÃO RANGEL COELHO)

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Sílvio Bernardes

Ninguém escreve ao coronel. Ninguém escreve mais ao coronel, nem ao major, nem ao soldado raso, nem ao civil. A frase inicial é o título de um romance do escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez, mas o hábito de escrever cartas perdeu sua referência quase com a mesma intensidade com que foi esquecido o costume da leitura de romances clássico e das leituras de textos mais longos, de artigos de jornais, por exemplo. As pessoas de antigamente escreviam tanto umas às outras que os funcionários dos Correios eram conhecidos por carteiros. E muitos desses incorporaram o ofício ao nome de batismo. Cá na terrinha eram conhecidíssimos, de adultos e crianças, o Afonso Carteiro e o João Waldemar Carteiro, ambos nossos colegas lá do “Jornal Brexó” – e que hoje habitam o plano espiritual carregando em suas malas de carteiros muitas correspondências de saudade. Hoje não existem mais carteiros. Os Correios se prestam aos serviços de entrega de boletos bancários, de revistas, de panfletos de propaganda comercial e até de documentos. A música imortalizada por Isaura Garcia não teria graça nenhuma hoje em dia, a menos que aquele “carteiro” trouxesse um aviso de cobrança ou um mandado judicial: “quando o carteiro chegou/ e o meu nome gritou com uma carta na mão/ ante surpresa tão rude/ nem sei como pude chegar ao portão”. Surreal, né?

As cartas eram bem escritas, quase sempre à mão, numa caligrafia impecável, que traduzia – além do conteúdo da missiva – a capacidade intelectual e as emoções do momento do missivista para o amigo distante,  a namorada ausente, o companheiro em viagem. São famosas as cartas do escritor, poeta e jornalista Mário de Andrade aos amigos das letras e de outras artes: Drummond, Fernando Sabino, Bandeira, Rodrigo  MF de Andrade, Di Cavalcanti, Portinari etc. Tão importantes eram essas correspondências que o endereço da Rua Lopes Chaves, em São Paulo tornou-se poesia, como a Nascimento Silva, 107, no Rio, da Carta ao Tom, de Vinícius de Moraes e Toquinho.

Erasmo Carlos imortalizou em música a carta, escrita em papel com envelope, cheia de delicadeza e romantismo bem ao gosto dos poetas. Chico Buarque quis escrever ao seu caro amigo Augusto Boal, mas a tarifa (dos Correios) não deu oportunidade. Mas, hoje é diferente, as pessoas não se escrevem mais. Os namorados não enviam e nem recebem cartas de amor – que um dia, amarelecidas pelo tempo, poderiam ser mostradas por mãos trêmulas aos netinhos, irônicos e curiosos ante uma paixão “paia” daqueles “véios”.

A moçada de agora prefere escrever, rápida e secamente – carregadas de erros de ortografia, de informações confiáveis e de um indispensável bom endo –, mensagens pelo “facebook”, pelo “watsApp”, ou por outras incursões das redes sociais que brotam a todo momento como cogumelos.