Que história é essa? Ah, os flertes da mocidade!

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Sílvio Bernardes

Um dia você é jovem, muito jovem, está na fila do orelhão, esperando sua vez para usar o telefone público e  falar – ou pelo menos ouvir a voz – com aquela menina por quem você está gamado; ou para passar trote em alguém do outro lado da linha:

  – Por favor, olhe se tem um fusca verde parado aí na sua rua.

– Não tem fusca verde nenhum por aqui…

– Ah, tá, então ele amadureceu.

Um dia você é jovem e percebe que a ficha caiu e pode entabular uma conversa. Mas, falar o quê, principalmente se do outro lado da linha tem alguém, uma menina maravilhosa, a mais linda do grupo escolar, a princesinha da festa do fim de semana, aquele destaque estonteante do carnaval que passou… e você não tem coragem de se declarar.  – Seus olhos são duas estrelas, seu sorriso um raio de sol. – Menina, você é a nora que a mamãe pediu à Deus.

Um dia você é jovem e está lá na classe do grupo escolar todo serelepe porque aquela menina também está na sua sala. Ela chega iluminando todo o ambiente. Meu Deus, como ela é linda. Eu vou amá-la para o resto de minha vida. Quero construir com ela um ninho de amor e uma casa branca no pé da serra, cheia de crianças tão lindas como ela (e tão inteligentes como o papai). E nessa fantasia, ela te olha e sorri. E vocês dois se flertam. Ah, os flertes na sala do grupo escolar!!! Quem passou pela vida e não os vivenciou, não sabe o que é a maravilha das maravilhas, não viveu de verdade. Você olha como quem não quer nada, às vezes com o rabo do olho e, nalgum momento, os olhos dela também vêm ao encontro dos seus… e acontece, até, um leve rubor na face (dele ou dela? Dos dois?) e um sorriso. O Tom Jobim sabia bem disso quando fez esses versos tocantes:

“Quando a luz dos olhos meus

E a luz dos olhos teus

Resolvem se encontrar

Ai, que bom que isso é, meu Deus

Que frio que me dá

O encontro desse olhar

Mas se a luz dos olhos teus

Resiste aos olhos meus

Só pra me provocar

Meu amor, juro por Deus

Me sinto incendiar”.

Um dia você é jovem e está ali, se preparando para sair com os amigos para o footing na Praça da Matriz. Depois da “avenida” é possível conseguir levar a menina em casa e, até, pegar na mão durante o percurso – que deveria ser muito maior e durar a noite toda. No portão da casa dela o flerte é mais direto. – Como você é bonita. Gosto do seu sorriso. Gosto das suas covinhas. Gosto desse seu narizinho arrebitado. Você só pensa, não fala. A gente pode combinar de ir à matinê no Cine Rex no próximo domingo. Você topa?

Um dia você é jovem e está no cinema com ela e um colosso de amigos e amigas. Tem pipoca. O filme é “Suplício de uma saudade”, com William Holden e Jennifer Jones; ou será que é aquele de bang-bang com o Giuliano Gemma? Você pega na mão dela no escurinho do cinema. – Meu Deus, agora estamos namorando de verdade. Dio, come te amo! Como ela é linda, é o amor da minha vida. Ela me deixou responder o seu caderno de perguntas. Vou escrever no meu caderno de poesia um montão de versinhos e o seu nome nos corações.

Um dia você é jovem e comprou um saquinho de balas para ela. Balas Chita sortidas. Você vai encontrar com ela no portão e hoje, com certeza, vai conseguir ganhar um beijinho dela. Acho que ela está gamada em você também. Ela é o amor da sua vida. Acho que a vida é uma doce alegria.

Ah, mocidade!