Sílvio Bernardes
“Glória a Deus nas Alturas, paz na Terra e boa vontade para com os Homens”. (LUCAS, 2:14)
Não me dou com a violência. Aliás, o ser humano não foi criado para a violência de espécie alguma. Ninguém o foi. Não compreendo a violência de hoje em dia, as guerras, os fratricídios, as mortes no trânsito e nos ambientes domésticos, a maldade da gente boa. A desfaçatez, a cara de pau, a arrogância, a prepotência, as ameaças do tipo: “sabe com quem está falando?”.
Sentimentos de medo e tristeza tomam conta da gente em todos os momentos. Dá pena ver nossa terra se envolver em situações absurdas de falta de respeito ao ser humano – à natureza e aos animais em geral. Essa cidade, definitivamente, não era assim. O que foi que colocaram em sua dieta de crescimento? Drogas? Revolta? Desamor?
De primeiro, como diz o outro, a situação era muito diferente. Perigo na rua era cachorro bravo – com raiva –, vaca estourada, caco de vidro, prego enferrujado ou um tropeção com a ponta do dedão do pé numa pedra no caminho. Medo, a gente tinha era do “homem do saco” – coitado, um mendigo que não fazia mal a ninguém –; do tarado que mostrava os órgãos genitais num balançar (pouco) ameaçador. Preocupação? Era uma coisa que a minha mãe escondia da gente, mas que denunciava em seu olhar triste ao constatar que o arroz estava acabando e que a lata de pó de café ficara vazia – e que seus cobres não iam chegar até o fim do mês. O choro existia sim, principalmente diante de uma “boa” vara de marmelo e o olhar inquiridor do pai (ou da mãe) no aconchego do lar. Tristeza era uma coisa que vinha mansa e partia rapidinho com a chegada do novo dia. A depressão não fazia morada na nossa intimidade porque a gente era da pá virada.
De primeiro era assim, a puliça (a Rapa) era chamada para apartar briga de marido e mulher. Os jornais publicavam em manchete (ou em letras garrafais, como diziam os jornalistas) que fulano ameaçou sicrano por uma “bestagem qualquer” ou, que beltrano, “que não tem ocupação e que se encontrava com os cornos cheios”, foi para o xilindró, “ver o sol nascer quadrado”. De primeiro, um crime de morte era um absurdo tamanho, uma situação inusitada mesmo, que a cidade ficava chocada por muitos dias e havia quem se reunia em grupos de oração pela paz e pela vida. E, por falar nisso, antigamente as pessoas (vizinhas) se encontravam para fazer novena de Natal – e cantavam “Noite Feliz” em louvor ao Deus-Menino – ou para rezar ao pé da cruz pedindo chuva, fartura e saúde para toda a gente.
De primeiro, a gente saía à noite e, se o medo se aproximasse, ficava torcendo para aparecer alguém (vivo) para nos fazer companhia até o nosso destino. De primeiro, as ruas eram escuras, mas as intenções das pessoas eram bem claras. Ah, saudade!
