Sílvio Bernardes
Um leitor – uau! será que é ele? – me escreve (em mensagem pelo WhatsApp) lembrando que certa feita um caminhão sem freio desceu ‘dispinguelado’ a rua Gonçalves da Guia e só conseguiu parar no muro de um majestoso sobrado que havia ali, quase em frente ao Automóvel Clube. Parece que somente o motorista é que teve uns ferimentos. Por milagre, a rua estava deserta naquele momento. O leitor me lembra também que a Chopita – um barzinho muito agradável que funcionava nesse pedaço da Gonçalves da Guia/Praça da Matriz – ao lado do banco Mercantil, onde hoje é uma loja da Vivo – pertenceu ao Zé Maria, ao Rui e, por fim ao Jésus de Igaratinga, e se constituiu como um dos pontos da boemia mais jovem dos anos de 1970 e 1980, pincipalmente na época do carnaval no centro da cidade. Num dos carnavais de antigamente o Didi da rua São Vicente – da turma do antigo “Os Terríveis” – envergou uma fantasia n’Os Farrapos da Lagoinha carregando uma placa onde se lia: “A Chopita é a nossa salvação”. Bons tempos.
E houve um tempo que o prédio do edifício Benfica – onde outrora pontificaram, no mesmo terreno, o Cine Rex e o Buraco do Tatu, ao lado do famoso Bar Azul – ficou conhecido como o “prédio da Coca-Cola”, por causa de um gigantesco anúncio desse refrigerante dos americanos.
Mais em riba, já na Praça do Capeta, na mesma Gonçalves da Guia, funcionaram o bar do Pingo – depois bar do Zito –, o armazém do Geraldo Criolando, o açougue do Valdo do Zé Pereira e a sapataria do Almir Cabeludo. Isso tudo no mesmo lugar, onde seria erguido anos depois o imponente edifício Central Park. Merece um capítulo à parte a sapataria do Almir Cabeludo e o próprio sapateiro nas imediações da Praça do Capeta. Os moleques, que como eu, engraxavam sapatos, comparecíamos com certa regularidade à sapataria do Almir para comprar tinta mais barata. Essa tinta que, diziam, vinha do curtume do Jandir Milagre, fedia à beça e era rejeitada por muitos engraxates e fregueses que não a queriam que a usássemos em seus pisantes. A sapataria do Almir era um cômodo pequeno, entulhado de coisas, escuro, que cheirava à cola de sapateiro (uau!). Sentado no seu banco feito de madeira e pneu velho, o sapateiro cortava sola, batia sola, consertava calçados e bolsas. E para tudo havia conserto. Certamente ele repetia a frase com que o Geraldo Vandré e o Theo de Barros compuseram a música “Disparada”: “eu vivo pra consertar”.
Mas o papel de destaque do Almir Cabeludo não era o de sapateiro, mas de folião quando vestia sua fantasia de Miss Itaúna ou de Morte em desfiles inesquecíveis de outros carnavais (da Praça do Capeta para a Praça da Matriz). Suas performances carnavalescas não eram barulhentas como de alguns outros foliões. Eram teatrais, cheias de risos, fricotes, requebros e gritinhos (da Morte) para assustar os transeuntes. A mulherada da Rua da Zona descia em peso para ver a Miss Itaúna e a Morte magricela com sua foice cenográfica. Por onde passavam, os personagens do Almir Sapateiro eram aplaudidos por adultos e crianças e nos bailes de carnaval dos salões eram requisitados com toda pompa e aplomb pelos dirigentes do Automóvel Clube, União, Flor do Momo, Clube da Fábrica e nas folias particulares que aconteciam patrocinadas pela gente grã-fina da terrinha.
(Continua na próxima edição)