Que história é essa? A culpa é do PIX

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Sílvio Bernardes

Outro dia, no mercado, usei uma nota de R$ 5,00 para pagar um produto daquela loja. Parecia normal, mas a mocinha do caixa deu uma atenção especial àquela cédula antes de finalizar a compra. Conferiu-a com o cuidado de quem observa o resultado de um exame de sangue. Não satisfeita, passou-a para o embalador com uma cara de quem vê algo pela primeira vez e este, por sua vez, deu uma risadinha depois de devolver-lhe o olhar indagador. Qualé, freguês! Fiquei intrigado. Algum problema? Perguntei. O rapaz das embalagens, um jovem com cara de paisagem, levou a nota à gerente, que estava próxima, encostada num caixa desativado, conferindo o ambiente. O que é? Uma nota falsa. Será que eu passei uma nota falsa, de R$ 5,00? Não, não era. A gerente autorizou o recebimento. É que a nota, de cinco real, “é meio velha”, me disse a jovem do caixa, com um sorriso de Monalisa falsificada. E daí, eu também sou “meio velho”, pensei. Mas tá valendo… eu e a nota de R$ 5,00. Eu creio que a inexperiente funcionária do supermercado nunca vira uma cédula de R$ 5,00, aliás, esse povo novo não tem tido muita oportunidade de ver notas de dinheiro, de pouco ou de muito valor. A culpa é do danado do PIX. Depois que criaram esse trem, o dinheiro em papel – e em moedas de metal, as pratinhas do meu tempo – sumiu do mercado. Ninguém mais acha uns cobres nas ruas e os pedintes que esmolam a caridade do zoto estão apelando para aquela ajudazinha em espécie: um pacotinho de arroiz ou de fejão, um lidileite ou de óio, uns biscoitos ou bolacha. Nos semáforos, também os artistas de rua: músicos, malabaristas, contorcionistas e palhaços, estão desacorçoados com a falta de moeda dos motoristas – antes era só a má vontade de muitos. O tal do PIX tirou de circulação o dinheirinho com o qual a gente comparecia para o ganha-pão desses artistas.

Aqui em casa, somente outro dia me dei conta de que o meu cofrinho, em que reunia o troco das compras do dia a dia para alguma eventualidade, está vazio como a caixa d’água dos moradores do Vale dos Pequis. As sempre bem-vindas moedas de R$ 0,25, R$ 0,50, e, até, de R$ 1,00, que sobravam do pagamento nas lojas, padarias e hortifrúti, sumiram desde o advento do PIX.  Não dá para rapar nada da minha caixinha de emergência pecuniária. Tadinho do cofrinho, dá até pena de vê-lo assim tão só, sem ver a cor do dinheiro.

O PIX já está em todas as bocas, nas casas lotéricas, nas lojas em geral, nos supermercados, nas padarias, nos açougues, nas farmácias, nos pedágios das rodovias… Não demora muito e iremos assistir o PIX ocupando, também, a caixinha do dízimo nas igrejas, o chapéu do artista, a ajuda ao pedinte, a droga do boca de fumo. Mas, e o bandido que nos tiraria o dinheirinho da nossa magra carteira, quando nos surpreende na noite escura ou no vacilo de uma cochilada? Será que ele também nos pedirá (exigirá) que o assalto seja feito por PIX já que não carregamos nenhum tostão?

– Aí, meu considerado, perdeu! Perdeu! Me passe a grana.

– Ixi, o amigo não deu sorte. Que grana? Tô sem nenhuma. Minha carteira tá magrinha, magrinha, feito uma modelo de passarela. Hoje vou ficar te devendo, meu consagrado.

– Ninguém fica me devendo, cavalheiro. Não tem pobrema, se não tem dindin ao vivo, aceito PIX. Rss. Tá aqui o QR Code para que o distinto cidadão não fique no vácuo e eu não saia de mãos vazias. Não vou perder minha viagem, se é que o senhor me entende.

E foi assim que o PIX salvou mais um negócio na praça. Viva o capitalismo!