Sílvio Bernardes
“A gente faz hora, faz fila na vila do meio dia
Pra ver Maria
A gente almoça e só se coça e se roça e só se vicia
A porta dela não tem tramela
A janela é sem gelosia
Nem desconfia
Ai, a primeira festa, a primeira fresta, o primeiro amor” (CHICO BUARQUE, in “Flor da Idade”)
Como na canção do Chico, os meninos da minha corriola, lá atrás, faziam fila para ver, entre frestas – e festas – a moça trocando de roupa ou até mesmo namorando na cama que rangia. Cama de colchão de palha e, depois, de capim, com um pano ordinário de listras grossas: o famoso pano de colchão. Não vou aqui declinar o nome da moça, que em cuja janela nos acomodávamos com sofreguidão, esperando a nossa vez de olhar sua nudez. Havia uma outra moça, lá para os lados da Laje, onde uns meninos faziam fila para aulas de gente grande, que a mãe e muitas outras pessoas classificavam como indecência e sem-vergonhice. E falavam isso com indisfarçável contrariedade.
Teve uma época em que os meninos lá de casa (somente os meninos-homens) ganharam camisas de meia com desenhos e mensagens estampadas na frente, alusivos às novelas da época. O Cláudio tinha uma que trazia uma maçã mordida, da novela “O primeiro amor”. A minha era do seriado “Vila Sésamo”, com a figura gigante do Garibaldo azul. O Carlos tinha uma de “A Patota” e a do Márcio era, eu acho, de “Carinhoso”, aquela novela protagonizada pelo então galã Cláudio Marzo. As blusas de malha (ruim), chamadas à época de “camisas de meia”, eram um grande sucesso popular e eu não sei, mas desconfio que a gente ficava metido pra caramba por causa disso. Uma ocasião eu ganhei uma blusa de ban-lon, amarela, que eu amava. Num dia triste essa camisa se queimou junto com outras tantas roupas do povo lá de casa, num incêndio no guarda-roupa. Naquele tempo eu não sabia quem tinha colocado fogo em Roma, mas tinha certeza de que no guarda roupa lá de casa foi um dos meus irmãos. Coitado, não foi culpa dele. Aquela maldita lamparina! Mas, falando em roupas, como eu já escrevi noutra ocasião, eu detestava aquelas camisas “Volta-ao-Mundo”. Achava-as horrorosas e quentes, nos sufocava. Mas, pobre não tinha escolha e, como diz o outro: cavalo dado não se olha a idade.
Na casa da madrinha Elisa tinha um cômodo destinado aos almoços e jantares, era a sala de jantar. As pessoas do meu tempo de menino se reuniam para jantar. Todo mundo junto à mesa. E se reuniam para conversar, na sala de estar. De primeiro, como diz o outro, usava-se conversar em casa. Pai com mãe, pais e filhos, irmãos, a família toda com as visitas. E olha que havia muita visita antigamente. As casas dos que tinham melhor poder aquisitivo dispunham de quarto de hóspedes, quarto de empregada e um cômodo de banho, chamado também de quarto de banho, com banheira e tudo. A televisão era um móvel bacana que existia na casa e não era tão requisitado como agora – é claro que não havia uma programação televisiva tão intensa e diversificada como nos dias de hoje.
Os meninos de antigamente viviam na rua, a grande escola do mundo. Aprendiam de tudo, o que podia e o que não podia. Brincadeiras de montão e umas tantas maldades (as imoralidades, as indecências). Na rua, que era a casa da meninada, aprendiam a andar de bicicleta, nadar, jogar bola como os grandes craques, cantar, tocar instrumentos, fumar, beber, brigar, trepar em árvores, subir em muro, plantar bananeira, olhar pelo buraco da fechadura para ver as moças peladas… Como eu falei aí em cima, as indecências e as imoralidades eram ensinadas naturalmente, pelos moleques maiores e pelas catedráticas dos jogos de amor – nessas últimas situações, com aulas teóricas e práticas. Mais práticas que teóricas.