Políticos de direita e de esquerda e representante da Justiça Eleitoral falam ao Jornal S’PASSO e opinam sobre a proposição, que custaria aos cofres públicos R$ 2,5 bilhões
As eleições de antigamente já foram de forma oral e na base do voto de papel. Durante a campanha, a votação e na apuração era grande a quantidade de papel utilizada. Em Itaúna, por muito tempo valeu o voto em cédulas de papel, antes da inauguração da primeira urna eletrônica, no ano de 2000. Para o cargo de prefeito, marcava-se um X no quadrinho à frente do postulante e o eleitor escrevia o nome do candidato no espaço destinado ao de vereador.
Aos analfabetos não era dado o direito de votar. A apuração dos resultados demorava uma eternidade, contando voto a voto, cédula por cédula e, muitas vezes, tinha-se que traduzir os votos, decifrar a vontade do eleitor naqueles garranchos escrevinhados nos pedaços de papel. Custava às vezes muitos dias para se chegar ao termo da disputa. Sofria o candidato, sofria o eleitor, sofriam os trabalhadores da contagem.
Os escrutinadores da Justiça Eleitoral eram acompanhados de perto pelos fiscais dos partidos, ou pelos próprios concorrentes aos cargos eleitorais. Mas, ainda assim, houve muita denúncia de que os resultados foram modificados nas mesas de apuração, na ponta da caneta, especialmente nas cédulas de votos em branco. Um X era muito fácil de ser colocado no quadrinho vazio pela caneta do apurador de má fé, o partidário disfarçado e esperto.
Deputada propõe a “materialização” do voto
Agora vem novamente à tona o debate em torno do voto impresso, depois de 25 anos de existência da urna eletrônica, tido como moderna, ágil e segura contra possíveis fraudes. A Câmara dos Deputados está propondo por meio de uma comissão especial, analisar um projeto de lei que quer tornar o voto impresso obrigatório no país. De autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), a PEC 135/19 não estabelece que o voto seja feito em cédulas de papel, mas propõe que uma cédula seja impressa após a votação eletrônica. Assim, o eleitor poderá conferir o voto antes que ele seja depositado, de forma automática e sem contato manual, numa urna trancada para auditoria. Portanto, a proposta não visa a eliminação da urna eletrônica por completo e segundo Kicis, essa “materialização do voto eletrônico” seria a “solução internacionalmente recomendada para que as votações eletrônicas possam ser auditadas de forma independente”.
Segundo estimativa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a implantação do voto impresso auditável demoraria para ser implantado em todo o país pelo menos dez anos e custaria aos cofres públicos cerca R$ 2,5 bilhões.
Inconstitucional e inadequado
O Jornal S’PASSO ouviu a opinião de vários políticos e, também, do chefe do cartório eleitoral de Itaúna, acerca do tema.
O responsável pelo Cartório Eleitoral em Itaúna, Euder Monteiro, disse que vê a medida como um retrocesso sem precedentes. Entende que é também inconstitucional e vê o agravante da impressora travar, o voto do eleitor ficar exposto e assim quebrar o sigilo garantido pela Constituição. “A margem de travamento é pequena, se a impressora for de altíssima qualidade. Porém, se tivermos 2 ou 3% dos votos devassados, seria muito ruim para a democracia e, volto a dizer, inconstitucional”, considerou. Monteiro afirma que o STF já se manifestou sobre isso diversas vezes e que o sistema atual, da urna eletrônica, já permite muitas auditorias e verificações, que são totalmente suficientes para garantir a idoneidade dos votos. Ele explicou que no caso da auditoria de votação paralela, por exemplo, é utilizado o voto impresso, para conferir a votação em amostras de urnas que iriam para a seção e vão para a auditoria, no dia das eleições. As urnas são auditadas com voto impresso ou cédulas de papel há anos e em todas as eleições, por amostragem/sorteio nessa auditoria.
“No cartório eleitoral em Itaúna diversas auditorias já são realizadas. O servidor da Justiça Eleitoral reitera que a transmissão dos votos para totalização é a parte mais segura do processo, porque basta conferir os boletins de urna que ficam nas seções, com os que chegam no TSE, para totalização. “Sempre fazemos essa conferência e nunca houve problemas. Ou seja, o voto impresso é inconstitucional, inadequado, desnecessário e um retrocesso devastador. Fruto de profunda ignorância dos mecanismos de segurança hoje já adotados”, opinou.
“Um retrocesso”, diz ex-vereador
Para o jornalista e ex-vereador Hudson Bernardes, a sua definição à proposta é de retrocesso, pois o sistema eletrônico funciona há anos de maneira exitosa no Brasil. “O projeto tem o objetivo de desviar o foco de questões essenciais que estão relegadas a segundo plano. Quanto aos temores de fraude, não existe nada concreto. O sistema eletrônico é robusto, está funcionando há 25 anos e o Brasil é o único país no mundo com o procedimento completamente eletrônico”, pontuou.
Conservadores Cristãos: 100% favorável
Em Itaúna o grupo que se denomina Conservadores Cristãos e que defende ideias da direita e do presidente Jair Bolsonaro se coloca integralmente favorável à proposta da deputada do PSL. Ouvida pela reportagem a dirigente do grupo, professora e empresária Eliane Soares Franco respondeu que “somos 100% favoráveis”. Avalia que o voto impresso auditável é a única forma de garantir possibilidade de rastreamento ao processo eleitoral, por eles considerado fundamental. “Da forma como é proposto pela PEC 135, não quebra o sigilo do voto, não atrasa a contagem e tem custo irrisório”, opinou.
Alexandre Campos: eu confio na Justiça Eleitoral
O presidente do legislativo itaunense, vereador Alexandre Campos (DEM), afirmou que o Brasil possui instituições democráticas sérias, e que ele confia na Justiça Eleitoral. “As urnas eletrônicas dão uma agilidade nas contagens dos votos. Se à Justiça Eleitoral tiver como fazer a aplicabilidade da lei e que seja mantido o direito ao voto secreto sou favorável”, ressaltou.
Mônica do PSOL: voto impresso é um golpe
A analista educacional e militante do PSOL, Mônica Santos, alertou que a ideia do voto impresso é mais uma insanidade desse ‘despresidente’. Opina que a PEC da deputada do PSL constitui num retrocesso imenso, “coisa de terraplanista, negacionista e paranoico”. Na sua visão, o voto impresso pode é facilitar fraudes. “Eu acredito que as urnas eletrônicas são muito mais difíceis de serem violadas que eventuais urnas onde esses votos impressos seriam depositados!
Mirinho diz vê proposta como cortina de fumaça
“Tenho enormes desconfianças sobre a proposta do voto impresso apresentada. Penso que é uma proposta suspeita, pois parte de políticos “negacionistas” e antidemocráticos que estão criando narrativas completamente fora da ciência e da razão como estratégia de dominação e terror para se manterem no poder”, a posição é do advogado e ex-vereador Geraldino de Souza Filho (Mirinho). Para ele, é uma manobra desse grupo político que já sente que poderá ser derrotado nas próximas eleições presidenciais. Assim, utilizam essa proposta do voto impresso como uma desculpa e ameaça para, caso perca, não reconhecer o resultado da urnas se for mantido o voto eletrônico.
“Ressalta-se que essa proposta está sendo usada também para desviar a atenção dos brasileiros tirando o foco da “CPI da Covid” que apura as responsabilidades pelas mortes de milhares de pessoas que poderiam ter sido evitadas, se a ciência e a vida tivessem sido levadas a sério por esse governo”, analisa Mirinho.
“Confio na Justiça Eleitoral, mas se for preciso, apenas como amostragem”, opina ex-vereador João José
O assessor de governo do prefeito Neider e ex-vereador João José Joaquim de Oliveira diz confiar plenamente na urna eletrônica. E que isso já foi provado ao longo dos anos. Mas admite que para se evitar acusações de que as eleições foram fraudadas, roubadas, é favorável de que em algumas partes do país seja feito pelo menos uma amostragem com a impressão dos votos. “Que seja feito em alguns lugares no país o voto impresso também e colocado numa urna separada para se preciso for fazer uma auditoria. Mas isso somente se necessário, porque nós confiamos na urna eletrônica”, pontuou. Ressalta o ex-vereador que está provada a confiabilidade da urna eletrônica ao longo dos anos e que é inadmissível o retorno do voto impresso. “Participei de algumas eleições quando o voto era impresso e quando era só marcar com X, eu tenho absoluta certeza que em muitos lugares nesse país as eleições eram facilmente fraudadas”, avaliou.
Jerry: “Gasto de milhões e volta do ‘voto de cabresto”
O bancário e um dos dirigentes do PSOL de Itaúna Jerry Adriane Magalhães considerou ser essa proposição mais um ‘factóide’ criado pelo governo Bolsonaro para desviar o foco de uma CPI que, “a cada depoimento, deixa mais claro a omissão criminosa do presidente e seu governo no combate a pandemia do Covid19. Com quase 500 mil mortos, todos os esforços do país deveriam ser direcionados para proteger a nossa população e, assim, não permitir que mais vidas fossem perdidas. Essa deveria ser a prioridade do governo”.
Ele entende que o voto eletrônico, que funciona há 25 anos como um sistema moderno no Brasil, jamais se comprovou qualquer fraude na votação. Ano após ano, vários governos se sucederam, de diferentes bases ideológicas, em eleições livres e bem sucedidas tecnicamente. “Tanto é assim, que o Brasil estabeleceu um novo patamar de excelência e rapidez de apuração eleitoral em nível mundial com o voto eletrônico que, diga-se de passagem, é totalmente auditável. Ao contrário, imprimir novamente o voto, além de significar um investimento de centenas de milhões de reais para adaptação do nosso atual sistema, vai propiciar a volta do voto de cabresto, vulnerabilizando ainda mais nossa população e servindo a todo tipo de interesse escuso”, salientou.
Emanuel Ribeiro: voto impresso vai acabar com as denúncias de fraudes
Emanuel Ribeiro foi candidato a prefeito de Itaúna nas eleições passadas e, sobre a questão, lembrou que em certa ocasião Joseph Stalin disse: “Quem vota e como vota não conta nada; quem conta os votos é que realmente importa.” Daí, entende que o sistema eletrônico de votação que o Brasil adota é bastante viável do ponto de vista da praticidade e agilidade na apuração, mas não permite praticamente nenhuma auditoria do voto. Conta que em todas as eleições há relatos de fraudes, por exemplo “de urnas eletrônicas “enxertadas” (que já vieram com votos pré-definidos), também relatos de candidatos que não tiveram sequer seus próprios votos apurados e relatos de inconformidade de padrão durante a apuração, onde candidatos têm apuração incompatível com o normal. “Apesar de serem relatos, estes dão margem suficiente para que o sistema como um todo seja constantemente questionado, mas nunca permite que essas questões sejam de fato apuradas, pois o sistema eletrônico não oferece um meio de auditar o voto em si, mas somente o processo e a contagem final”, afirma. O político da direita itaunense sugere que a impressão do voto será muito bem vinda a partir do momento em que os votos poderão também ser contados fisicamente e não só eletronicamente como é hoje. Ele faz questão de frisar que a proposta da mera impressão do voto, unitário, individual, não permite identificar o eleitor ou a sua opção de voto, uma vez que o voto impresso apenas traz a informação do voto e o “comprovante” fica retido junto a urna.
Neila Freitas, da Frente Brasil Popular: a intenção é tumultuar
A professora Neila Freitas é membro da Frente Brasil Popular e atua junto aos partidos de esquerda em Itaúna. Falando à nossa reportagem disse que “a intenção é tumultuar o processo eleitoral no Brasil, prevendo já sua derrota. A professora acredita que a proposição do voto impresso vem corroborar das intenções do presidente da República que estaria preparando o terreno para não aceitar sua derrota em 2022, alegando fraude.
Prefeito Neider vê proposta como atraso de vida e gasto desnecessário
Na opinião do prefeito Neider Moreira (PSD) a proposta do voto impresso é “um atraso de vida, um retrocesso”. O chefe do executivo observa que é preciso aproveitar a tecnologia para facilitar a vida das pessoas e não complicar. “Ademais, nós nunca tivemos uma denúncia comprovada de fraude no voto eletrônico. Isso é uma grande bobagem e um gasto de dinheiro desnecessário para o país, um país pobre como o nosso”, acrescenta.