O preço da carne está nas alturas. Os cortes de primeira tiveram aumento de mais de 40% durante o ano passado e o preço continua salgado. A forte alta nos preços em meio a perda de renda da população por causa da pandemia tem causado preocupação ao setor varejista. Em meio às dificuldades do setor sobre o ponto de vista econômico, entra em discussão mais um problema: o abate clandestino que tem sido uma prática recorrente dos donos de rebanho para tentar driblar os impostos e aumentar os lucros.
As denúncias em Itaúna destacam que proprietários de açougues da cidade estariam abatendo animais no próprio pasto, fato que ficou ainda mais emblemático, após a fiscalização da prefeitura ter apreendido cerca de 150 quilos de carne sem procedência em vários estabelecimentos. A procedência da carne, sem selo de inspeção, não foi comprovada e os donos dos estabelecimentos não apresentaram notas fiscais. O produto foi apreendido e descartado no aterro sanitário e os açougues autuados.
Concorrência desleal
“Parece que esta história de carne sem fiscalização voltou a assombrar de novo. O que a gente percebe é que com preço lá em cima, alguns espertalhões querem lucrar mais. Os donos de gado procedem o abate no próprio pasto para ficarem livres das despesas com o abatedouro e do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)’’, pontua o proprietário de um açougue na cidade.
Segundo Robert Morais, chefe do setor de carnes de uma rede de supermercados a prática do abate clandestino não era registrada na cidade há muito tempo e, ela é mais comum em estabelecimentos de pequeno porte. “Em redes que comercializam grandes quantidades de carne, normalmente há critérios para garantir a compra de produtos inspecionados e de qualidade. As carnes são adquiridas de frigoríficos que têm referência nacional e os produtos têm selo de procedência”, pontua.
O produto abatido de forma irregular sem as condições de higiene necessárias pode trazer a contaminação do ambiente na carne, além de doenças do próprio animal. Entre as doenças estão a tuberculose, toxoplasmose, botulismo, brucelose e a mais grave de todas, a cisticercose, causada pela ingestão de carne com ovos de tênia. Estas zoonoses trazem complicações para diversas partes do corpo, apresentando diferentes sintomas e níveis de gravidade.
A mais grave doença transmitida por carne, a cisticercose, é também a mais comum no rebanho abatido em Minas Gerais e é uma fase intermediária da “solitária” que se instala no cérebro das pessoas, provocando cegueira, surdez ou distúrbios neurológicos. A doença pode ainda atacar a musculatura do coração, o fígado e os pulmões.
“Já fui proprietário de açougue e sabemos que o abate clandestino é prática injusta com quem trabalha honestamente e paga todos os impostos e perigosa para a saúde das pessoas. Mas infelizmente este tipo de concorrência desleal existe”, explica.
Desafio para autoridades
Robert aponta também alguns pontos quanto ao bem-estar animal e regras que fazem parte do abate humanitário. “Quem abater animais de forma clandestina, normalmente o faz em instalações extremamente precárias e inadequadas, com instrumentos e técnicas inapropriadas. Essa situação, além de submeter os animais ao sofrimento, resulta no subaproveitamento das partes, o que caracteriza total desrespeito à vida perdida. No abate clandestino não existe, tampouco, qualquer controle quanto ao trânsito de animais, item de suma importância na prevenção de doenças que afetam os rebanhos, como é o caso da febre aftosa”, lembra.
O Jornal S`PASSO tentou contato com a Cooperativa Regional de Carnes e Derivados, COOPERCARNE que administra o abatedouro municipal, para saber sobre as práticas realizadas no estabelecimento, mas não conseguiu contato até o fechamento desta edição.