Ele faz arte desde menino. Morava e continua morando, no alto da Laje e ali, enquanto os colegas da sua idade brincavam na rua com jogo de bolas e finquete, carrinhos de rolimã e soltando papagaios, ele experimentava traços no chão, nas paredes e nos muros. Usava pinceis improvisados: tocos de lápis, carvão e pedaços de pedras.
Ouvia música no rádio de pilha e assistia programas musicais e de dança na televisão dos vizinhos. Aprendeu de tudo em arte, quase sempre como autodidata: a tocar vários instrumentos, a fazer seus próprios sons, a dançar, a desenhar, a pintar e, houve um tempo em que se animou também a cantar como os seus ídolos.
Maurício Paulino é o artista. O cara. Passeia na arte popular com a mesma desenvoltura com que experimenta acordes de melodias clássicas e eruditas. É inventivo, disponível, alegre e boa praça. Conhecido de todo mundo. Maurício é itaunense, tem 59 anos e muitas histórias para contar. Hoje dedica-se ao Clube da Vitrola e a tocar em cidades turísticas, levando sua arte aonde o povo está.
1. Todo mundo conhece o Maurício, seja pelas danças de rua, pelas pinturas que retratam paisagens urbanas de Itaúna e Minas Gerais, pela música clássica e, mais ainda, pelo Clube da Vitrola. Mas, conte um pouco para nós, como, quando e onde começou tudo isso, a sua arte.
Na verdade, eu comecei desenhando com carvão. Eu tinha uns oito anos, minha mãe saía para buscar lenha e eu ficava desenhando nas paredes. Aquelas paredes branquinhas e eu rabiscava tudo. Minha mãe ficava assustada com todos aqueles rabiscos pela casa. Era o rosto de Jesus, o Tio Patinhas e desenhos tirados de revistas.
Na escola, no Grupo José Gonçalves de Melo, eu também ficava desenhando. Desenhava mais do que estudava, até que o professor Fernando, que era o dentista da escola, me deu uma caixinha de lápis de cor. A dona Luzia, a Luzia do Bia, professora do Grupo Escolar, também me incentivou demais, me deu até um livro de pinturas, para eu aprender mais, um livro que eu tenho até hoje. Isso foi na pintura. Depois veio a música. Meus irmãos tocavam e eu também queria, mas não tinha instrumento. Então, eu ia para a ‘Casa das Roupas’ e ali o Antônio e o Morango me deixavam tocar naqueles violões que eles vendiam.
Depois minha mãe conseguiu comprar um violão para mim. Era um violão sem cordas. Consegui uma corda e ficava batendo nela, fazendo barulho com aquela corda, já aprendendo. Também gostava muito de bateria e, então, eu ia no curtume, pegava couro, esticava e fazia meus instrumentos. Enquanto os outros meninos ficavam brincando com outras coisas, como soltar papagaio, eu ficava mexendo com esses instrumentos e gostava mesmo era de música. A dança se manifestou um pouco depois. Mas eu já gostava também. Havia os bailes blacks no salão do Sindicato dos Tecelões.
Depois fui para a área do B-boy, que é o break dance, e já pesquisava a dança de salão. Estive em Juiz de Fora pesquisando a dança barroca e a música barroca. Criamos o Festival de Dança ao Ar Livre, de 1987 a 1988, onde várias companhias participaram. Eram grupos de rap, balé clássico, black music, funk soul… Já o Clube da Vitrola veio depois, em 2004, com essa proposta de levar vinil para a praça. O primeiro encontro foi lá na pracinha da ‘Rua da Ponte’, no Bairro das Graças. De lá fomos para a Praça da Matriz, na Feira de Artesanato. Então, uma vez por mês a gente faz esse trabalho, o Clube da Vitrola Vinil. Demos uma pausa agora por causa da pandemia, mas estamos ensaiando o nosso retorno para breve.
2. Sua arte é influenciada por quem? Quem foram e quem são os inspiradores do artista Maurício Paulino?
São muitas as influências, inspiração e, também, incentivo. Muitos. Comecei a desenhar sozinho, como eu te falei. Depois tive grande incentivo da Dona Luzia Alves, que me ajudou muito, conseguindo cursos para mim com o João Bosco, em BH. Também o Dr. Afonso de Cerqueira Lima me ajudou demais, até custeando esses cursos. Do João Bosco fui para o Mauro Ferreira, um grande paisagista, que me incentivou. Tive orientações e inspiração através de livros, que me chegavam às mãos. Não posso esquecer Regina Célia de Oliveira, desenhista de moda, que trabalhava na ‘Joia’ e que deu muito apoio nesse início.
A Dona Neusa Gonçalves, que me cedeu uma sala na Vivenda, depois, no edifício Maria Teresa. Tem o Dr. Guaracy de Castro Nogueira, político, historiador e empresário que também me ajudou muito. O Bethoven de Oliveira Buzatti, empresário da ‘Jóia’, que colocava as minhas telas para vender. Até hoje eu tenho muita gratidão pelos que me incentivam e os que me inspiraram. Agora, na música, a inspiração vem dos grandes mestres como Bach, Villa Lobos, Mozart, grandes compositores.
Em 1994, começamos o projeto de música clássica na praça e sou membro da primeira formação da Orquestra de Câmara de Itaúna, criada por Roberto Batista Guimarães, que levou a música erudita para a praça. Havia um violoncelo parado na oficina do Roberto, que o Fábio Lima havia feito com ele. Resolvi estudar e aprender esse instrumento. A partir de então comecei a participar do Festival de Música Colonial Brasileira, em Juiz de Fora. Participei durante 20 anos e no nono ano já gravamos um CD com a orquestra. Na área da dança, a gente tinha como incentivo os bailes, as horas-dançantes e os vídeo-clips, com Michael Jackson, Prince… a gente saía para dançar. Em 1985, 86, comecei o trabalho do break dance e uma das primeiras apresentações foi na porta da ‘Joia’, que ficava na rua Capitão Vicente, esquina com Silva Jardim, em cima de um papelão.
A primeira formação fui eu, o Fernandinho, o Silvinho, o Devanildo e o Toninho. Depois veio o Júlio e veio uma turma grande dançando o break. A gente via na televisão, nos vídeos-clips e depois praticava nos bailes e nas horas dançantes. Aí vieram os festivais, os campeonatos. Esses são os grandes incentivadores. Não podemos esquecer de um grande incentivo na dança que foi a Heloísa Corradi, que abriu espaço gratuitamente na academia Zélia de Paula Machado para que a gente dançasse. Dançávamos também no Teatro Vânia Campos, que estava desativado, em reforma. E fomos para a praça, para as ruas… sempre também com o apoio da imprensa.
3. Você vive da sua arte? Conte um pouco sobre isso. Como é ser artista profissional num país que tem tratado a arte e a cultura de forma tão desrespeitosa? E sobre Itaúna, qual é sua relação de artista com o poder público municipal?
Tudo que você faz com amor dá certo. A gente está vivendo uma época difícil e valorizar a arte não tem sido a política do momento. Mas, isso sempre existiu e a gente tem que encontrar meios. Sempre trabalhei em Itaúna, mas hoje a cidade ficou pequena para eu trabalhar, então estou indo para outras cidades onde existem turistas, como Tiradentes e Arraial D’Ajuda…
Agora, como eu estava outro dia conversando com um empresário, a gente não deve pensar na arte apenas como a questão profissional, mas também pelo carisma, pelo que ela proporciona. O que eu digo é que a minha arte tem sido muito bem aceita lá fora, tenho tido muito boas apresentações. E são pessoas de todas as classes sociais. Estou tendo a oportunidade de um aprendizado muito grande, de me profissionalizar mesmo.
Levar arte com o violoncelo, a música clássica, a música popular, tem sido uma experiência muito bacana. E quando você faz isso com amor, cria-se um foco. E eu sempre tive esse foco em minha arte, seja na pintura, na música ou na dança. Estou muito satisfeito, as pessoas estão me apoiando muito e tenho tido presença também nas mídias digitais, em sites e em várias plataformas. Estou muito feliz com isso. Estou em Itaúna e também viajando muito.
4. Vamos tratar de um tema que é próprio de nossa sociedade, historicamente falando, o racismo. Como você lida com isso? Você tem histórias pessoais de racismo e, também, de preconceito? A sua arte em algum momento se esbarrou nessa situação?
Este é um problema que mostra o atraso cultural das pessoas. Como eu te falei, nas cidades onde me apresento, as pessoas ficam admiradas, um homem negro, rastafári, tocando violoncelo e músicas clássicas. Hoje, eu vejo essa situação com muita espiritualidade. Nosso planeta Terra ainda é muito atrasado, somos mestres em julgar e isso é uma grande falha.
Não somente a questão da cor, mas o rico, o pobre… a gente acaba separando, criando rótulos. Sempre vai haver pessoas que têm preconceito, que separam e julgam. Mas, eu sigo com a cabeça erguida, fazendo meu trabalho da melhor maneira possível, me informando e me profissionalizando. Não podemos baixar a cabeça e nem deixar de compreender que somos seres em evolução. Todos nós.
5. Onde estão suas obras de artes plásticas? Você teria pronta uma produção para uma mostra quando essa pandemia passar?
Hoje eu tenho poucas obras. Tenho alguns quadros em casa, outros aqui no Chico Da Vinci Molduras, o resto está espalhado no Brasil. Tenho planos de buscar incentivo nas leis culturais para fazer uma exposição com temas brasileiros.
6. De todas as suas incursões em arte, qual é a mais prazerosa? A música, as artes plásticas, a dança?
Gosto das três, da pintura, da música, da dança. Tive um tempo para cada segmento e hoje faço assim, atuando aqui e ali em cada uma delas. Faço essa intermediação entre as várias artes.
7. A pandemia da Covid-19 afetou e tem afetado ainda os artistas de forma bastante significativa. Como você está lidando com isso em termos profissionais? Quais os planos para o Clube da Vitrola?
A pandemia nos impede de nos reunir em mais pessoas, por isso o Clube da Vitrola, que acontecia todos os meses, está suspenso. Tivemos aquele auxílio emergencial da Lei Aldir Blanc e a gente foi contemplado com as lives. Mas eu não parei, assim que deu uma abertura comecei a viajar e continuo fazendo isso. E continuo atuando em Itaúna também.
Por enquanto, o Clube da Vitrola, que acaba aglomerando mais gente, não tem como continuar. Mas eu vou para a praça com o violoncelo, música instrumental e o apoio de alguns patrocinadores. A gente aproveita para divulgar o CD com uma coletânea bacana. A gente não para e vamos rompendo, graças a Deus.