@toniramosgoncalves*
– Você é escritor! Deve tá ganhando muito dinheiro, né?
– E aí? Ser escritor dá muito dinheiro?
– Ah, ele está com o burro na sombra… É escritor.
Nós, escritores, frequentemente enfrentamos um bombardeio de perguntas e afirmações de amigos, colegas e conhecidos que desconhecem a dura realidade da profissão. No Brasil, é comum que profissionais da escrita tenham outra ocupação, já que poucos conseguem viver exclusivamente da literatura. É normal encontrar médicos, jornalistas, professores e funileiros que também são escritores. O sucesso extraordinário e atípico de Paulo Coelho, que ganhou milhões com suas obras, é uma exceção. Muitos escritores, cujo trabalho permanece relevante ao longo do tempo, viveram e morreram na pobreza, e alguns só alcançaram reconhecimento após a morte.
A jornada de um escritor é marcada por incertezas. Escrever está longe de ser um caminho repleto de louros e aplausos; é frequentemente uma travessia solitária pelo deserto da indiferença e do esquecimento. Muitos acreditam que é na adversidade que a verdadeira essência da literatura se manifesta. As dificuldades enfrentadas não são meros obstáculos; elas são lembretes de que, mesmo nas circunstâncias mais adversas, a arte da escrita pode ser uma força transformadora, capaz de mudar vidas e sociedades.
Como editor e organizador de coletâneas literárias, observei inúmeras vezes o abatimento de jovens autores talentosos e fervorosos, desencantados com a difícil tarefa de capturar um público leitor e, além disso, com o árduo caminho para o sucesso financeiro. Ficou evidente que suas aspirações estavam fortemente atreladas aos ganhos monetários.
Em 2017, tive um encontro casual numa Feira Literária de Belo Horizonte com o escritor e jornalista Carlos Herculano Lopes, conhecido por sua obra “Sombras de Julho” (1991). Durante nossa conversa, ele compartilhou comigo que sua coluna semanal no Jornal Estado de Minas não era uma fonte significativa de renda. No entanto, ele destacou a importância dessa rotina regular de escrita para o aperfeiçoamento de seu ofício, considerando essa prática valiosa e enriquecedora para seu desenvolvimento como escritor e jornalista.
Durante a criação do primeiro livro da série “Harry Potter”, J.K. Rowling enfrentava a realidade de ser uma mãe solteira sustentada por benefícios sociais. Através de sua determinação incansável, ela deu vida a uma das franquias literárias mais bem-sucedidas e adoradas, alcançando fama e prosperidade significativas. A trajetória de Rowling demonstra vividamente que circunstâncias financeiras adversas não são capazes de impedir o florescimento de um talento literário notável.
Fiodor Dostoiévski, o notável escritor russo, enfrentou inúmeras adversidades financeiras durante sua trajetória de vida que resultou num rumo dramático quando foi condenado à morte devido a suas ideias políticas, sendo salvo da execução apenas instantes antes de esta ocorrer. Em seguida, foi exilado para a Sibéria, onde enfrentou o rigor dos trabalhos forçados. Foi nesse cenário inóspito que ele escreveu algumas de suas obras mais famosas: “Crime e Castigo” (1866) e “Os Irmãos Karamazov” (1880). Estes trabalhos não apenas solidificaram seu legado na literatura mundial, mas também demonstraram como a criatividade e o talento literário podem emergir e prosperar mesmo sob as circunstâncias mais desafiadoras.
Sou um grande admirador de Lima Barreto, o autor brasileiro cujas obras têm ganhado reconhecimento nos últimos anos devido à sua relevância contemporânea. Assim como muitos escritores, ele enfrentou desafios pessoais significativos, incluindo a luta contra o alcoolismo, internações em sanatórios e dificuldades financeiras decorrentes de dívidas familiares. Infelizmente, faleceu em condições de pobreza e sem receber o merecido reconhecimento por seu talento literário.
Carolina Maria de Jesus, cuja importância tem sido cada vez mais reconhecida em discussões acadêmicas nas universidades, é outra autora marcante. Sua obra principal, “Quarto de Despejo” (1960), alcançou expressiva vendagem de 80 mil cópias e foi traduzida para 13 idiomas. Apesar deste sucesso, Carolina Maria de Jesus, que veio de uma origem humilde, permaneceu em condições de pobreza e faleceu em isolamento no ano de 1977.
As realidades multifacetadas dos escritores mencionados levam-nos a uma reflexão mais profunda sobre a natureza da escrita e o valor da persistência diante das adversidades. Essas histórias ilustram vividamente a diversidade de caminhos e desafios enfrentados pelos autores demonstrando que o sucesso literário muitas vezes não coincide com a prosperidade financeira ou com o reconhecimento imediato.
A literatura vai muito além de simples números e ganhos financeiros. Ela é uma jornada pessoal de expressão, introspecção e, às vezes, de superação. Escritores, independentemente de suas condições financeiras ou de sua fama, compartilham uma paixão comum pela arte das palavras e pelo poder transformador das narrativas.
Quando a questão financeira de um autor é levantada, talvez seja o momento de repensarmos nossas métricas de sucesso. A verdadeira riqueza de um escritor não reside na quantidade de dinheiro ganho, mas na sua capacidade de tocar corações, provocar reflexões e, em muitos casos, resistir ao teste do tempo. Em um mundo frequentemente focado no material e no imediato, a jornada de um escritor serve como um poderoso alerta: as contribuições mais valiosas para nossa cultura e sociedade muitas vezes vêm daqueles que escrevem não para alcançar prosperidade material, mas para enriquecer a humanidade com suas palavras.
* Toni Ramos Gonçalves
Professor de História, Escritor, Editor, ex-presidente e um dos fundadores da Academia Itaunense de Letras – AILE. Graduando em Jornalismo.