APAE contesta novas diretrizes da Saúde para atendimento de pessoas com TEA

Abaixo-assinado pede revogação da diretriz que restringe os Núcleos de Atendimento ao Autismo apenas a instituições dedicadas exclusivamente ao transtorno

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O Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem se tornado um dos principais desafios de saúde pública no mundo. Dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos revelam um aumento expressivo na prevalência do autismo nas últimas décadas: em 2004, 1 em cada 166 crianças de 8 anos era diagnosticada com TEA; em 2020, esse número saltou para 1 em cada 36. O autismo também afeta significativamente mais meninos que meninas — cerca de 4% dos meninos são diagnosticados, o que representa uma frequência 3,8 vezes maior do que entre meninas. 

No Brasil, apesar da ausência de dados oficiais atualizados, estudos com base em padrões internacionais apontam uma tendência semelhante: o número de brasileiros com autismo passou de aproximadamente 2 milhões, em 2014, para quase 6 milhões em 2023. O crescimento tem ampliado a urgência por políticas públicas eficazes e serviços de saúde especializados, especialmente no que se refere à primeira infância, período crítico para o desenvolvimento das crianças com TEA. 

Em 2023, o Ministério da Saúde atualizou a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Pessoa com Deficiência e criou o Núcleo de Atenção à Criança e Adolescente com Transtorno do Espectro Autista, com capacidade para atender 180 usuários por mês, totalizando até 1.500 atendimentos mensais. No entanto, um critério estabelecido pelo próprio Ministério, impede a participação de instituições que já atendem outras deficiências além do autismo — o que, na prática, exclui entidades como as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais. 

Em Minas Gerais, 17 APAEs habilitadas e prontas para oferecer os serviços foram barradas por esse critério de exclusividade, deixando mais de 3 mil crianças e adolescentes sem atendimento especializado mensalmente. Entre elas, a APAE de Itaúna, que atualmente atende 232 pessoas com diagnóstico confirmado de autismo e outras tantas em avaliação ou aguardando vagas pela fila da Secretaria Municipal de Saúde. 

Abaixo assinado

Geórgia Stefânia Duarte Chaves Mendonça, mãe de uma criança autista e superintendente da APAE de Itaúna, iniciou um abaixo-assinado pedindo a retirada do critério de exclusividade imposto pelo Ministério da Saúde. “Esse abaixo-assinado nasceu da minha indignação — não apenas como gestora da APAE de Itaúna, com mais de 15 anos de atuação, mas, sobretudo, como mãe”, afirmou. 

Segundo ela, a realidade enfrentada pelas famílias que aguardam atendimento é dolorosa e urgente. “Crianças estão perdendo oportunidades valiosas de desenvolvimento, enquanto instituições como as APAEs, com sua experiência e estrutura, enfrentam limitações impostas por critérios que não refletem a realidade do território.” 

Geórgia denuncia a distância entre o discurso oficial e a prática da gestão pública em relação às pessoas com deficiência. “Há falas, há promessas, há reuniões — mas o que precisamos é de ações efetivas. Não é possível trabalhar com discursos quando a prática caminha em outra direção.” Para ela, as APAEs não podem mais ser vistas como um “complemento” do sistema. “A APAE é parte essencial da rede, e precisa ser fortalecida.” 

O objetivo do abaixo-assinado é pedir a revogação da diretriz que restringe os Núcleos de Atendimento ao Autismo apenas a instituições dedicadas exclusivamente ao TEA. “Isso é uma barreira injusta para quem já faz esse trabalho há décadas com qualidade e responsabilidade”, defende Geórgia.

“Queremos alcançar o maior número possível de apoiadores. Cada nome é uma voz dizendo que o autismo não pode mais esperar. Porque a intervenção precoce muda vidas. E esperar, nesse caso, tem custo alto demais.” 

A APAE de Itaúna foi uma das instituições selecionadas para a habilitação pelo Estado, no entanto, foi interrompido devido ao critério federal. Geórgia explica que, caso a habilitação fosse efetivada, a instituição passaria a receber cerca de R$ 100 mil por mês, permitindo a ampliação da equipe multiprofissional, com fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psicólogos, pedagogos, assistentes sociais, nutricionistas e médicos, além de garantir o atendimento de até 150 usuários mensais com 1.500 procedimentos ambulatoriais. 

Repasse atrasado

Atualmente, a APAE de Itaúna recebe R$ 33 mil mensais do Governo Federal, por meio do Serviço Especializado em Reabilitação da Deficiência Intelectual, e um incremento estadual de cerca de R$ 7 mil por mês, através do Programa de Intervenção Precoce e Avançada, voltado para neonatos de risco.

De acordo com a superintendente, esses valores estão muito abaixo das necessidades reais da instituição. “Ambos os valores são extremamente defasados, diante da complexidade do serviço, dos aumentos salariais e da crescente demanda.” 

Os recursos municipais também chegam por meio de projetos, como o IMPACT — intervenção parental baseada em evidências científicas voltada para crianças com TEA de 0 a 6 anos. A metodologia, validada por uma pesquisa feita na própria APAE em parceria com a UFMG, tem sido essencial para reduzir filas de espera. No entanto, segundo Geórgia, a APAE ainda enfrenta atrasos nos pagamentos de convênios municipais, devido à recente transição de governo. “A instituição está em diálogo com a nova gestão, que já sinalizou a regularização gradual.” 

Mesmo com os desafios, a entidade tem mantido os atendimentos acima da capacidade instalada graças ao apoio da comunidade e a projetos pontuais. “A principal queixa das famílias é a longa espera por atendimento especializado, como fonoaudiologia e terapia ocupacional — áreas com escassez de profissionais em todo o Brasil”, relata Geórgia. 

Menos atendimentos

A exclusão das APAEs dos Núcleos de Atendimento ao Autismo tem implicado diretamente na suspensão de milhares de atendimentos mensais em Minas Gerais. Para Geórgia, não se trata apenas de uma questão administrativa, mas de um direito básico. “Criei esse abaixo-assinado como um grito de justiça. Porque não dá mais para esperar. E não falo apenas como profissional — falo como mãe, e como alguém que vê a realidade de muitas famílias todos os dias.” 

A mobilização liderada pela superintendente busca pressionar o Ministério da Saúde a rever a política de exclusividade, permitindo que instituições experientes e consolidadas como as APAEs continuem contribuindo com o cuidado e a inclusão de pessoas com TEA no país. Para Geórgia, a escolha é simples: “O autismo não pode esperar,” finaliza Geórgia.