De forma corriqueira e geralmente amparada numa “habilidosa” maneira de inventar fantasmas, temas polémicos são introduzidos nas correntes de Whatsapp e nas redes socias, já que o “lacre” tem sido sinônimo de lucro e (por que não?) de votos. Se para a psicanálise a fantasia nada mais é do que a mediadora do encontro do sujeito com o real, cada pessoa precisa, então, de “telas protetoras” que possibilitem o contato e o laço social com o outro. “Protegem de que essas telas?”, perguntaria um bom psicanalista. Onde está o “perigo”? Eis, então, mais um fantasma protagonista atualizado: o banheiro unissex.
Primeiro, vamos às fake news, aqui também chamadas de “fantasias”. Está sendo alegado um perigo de dimensão catastrófica de que crianças e mulheres estariam correndo o risco de serem violentadas sexualmente, por causa de supostos projetos ou propostas que pretenderiam implementar banheiros ou espaços de uso coletivo multigênero, o que significaria que pessoas de gêneros diversos poderiam utilizar o mesmo banheiro, ao mesmo tempo, e que essa “proposta” estaria sendo pensada como um projeto a ser executado nas escolas, inclusive.
Acontece que essa não é, de fato, uma demanda real. O que se pretende aqui apontar é exatamente uma hipótese (com grande risco de ser validada) de o porquê está sendo feita essa afirmação. Toda essa teoria conspiratória parte, na verdade, de uma outra demanda (essa sim baseada em fatos) que é a disponibilização de banheiros para pessoas que não se identificam com um dos gêneros designados socialmente (homem ou mulher), mas que possuem identificações outras como não-binários (NB), gênero fluido, etc. Aqui, se levanta um ponto muito importante: a existência de um banheiro unissex ou multigênero NÃO significa necessariamente a adesão ao uso simultâneo do recinto. Essa não é uma demanda de pessoas trans ou NB. Esta invenção nada mais é do que o uso fantasioso de um tema para dizer, de forma quase escancarada, que muitos e muitas odeiam pessoas trans, ou seja, que são transfóbicas. Uma invenção, inclusive, que só revela o quanto certa parcela da população tem fixação no tema “sexo”, especialmente no sexo alheio. Agora, estão até dentro do banheiro, quando não do armário.
O que se pretende, então, é criminalizar pessoas LGBTQIA+, no sentido de alegar que essa população é quem representa perigo para as pessoas hétero e cis, esquecendo-se (de propósito?) de que o próprio Ministério dos Direitos Humanos de 2019 (atual governo) revelou que 90% da violência sexual contra crianças acontece no ambiente familiar. Sim: no ambiente familiar! O que parece estar embaralhado ou embaraçado nessa história é a associação de pessoas que não se reconhecem dentro da cis-heteronormatividade (gays, lésbicas, bissexuais, trans, travestis, etc.) à possibilidade de crimes sexuais.
Mas, como bem nos lembra a psicanálise, a fantasia é constituinte da matriz psíquica de cada pessoa. Ela é não apenas uma “tela protetora”, mas também o filtro que define como vemos e nos relacionamos com o mundo, um filtro interno. Então, será que quando alguém une as pessoas LGBTQIA+ aos temas “banheiro”, “estupro” e “assédio”, isso não diz mais sobre elas mesmas que sobre os outros?
Nilmar Silva é Psicólogo (CRP 04/47630) e Filósofo, Especializando em Sexualidade, Gênero e Direitos Humanos; Especialista em Docência do Ensino Superior e MBA em Gestão de Pessoas. Atua clinicamente com foco na Saúde Mental de pessoas LGBTQIA+.
@psicologo_nilmar
psicologonilmar@gmail.com
Bom texto!
A questão é colocada de forma simples, direta, sem perder a firmeza de princípios.
Achei o texto interessante,mas tenho alguns argumentos a acrescentar
No texto nota-se alguns problemas notáveis que deviam ter sido abordados na problemática do assunto, é de fato importante lembrar da inclusão
porém o texto fala como se todo individuo contra essa ideia fosse contra a comunidade lgbtqia+
temos que pensar na ideia ao todo o banheiro pode sim ser algo bom e inclusivo mas também pode trazer diversos problemas de segurança não só para mulheres e crianças mais também para a própria comunidade lgbtqia+.
Até porque violencia é violencia independe se for sexual,física,verbal,psicológica,etc… E não vai deixar de ser violencia independe se for criança,mulher,homem,trans,não binario,bissexual, panssexual,gays,lésbicas,assexuais,etc.
É importante pensar na segurança de todas essas pessoas antes de levar uma ideia a frente.