Foi uma reunião longa, não por causa de debates, mas pelo excesso de tempo na leitura de pareceres e, ao final, a confirmação do veto do prefeito ao projeto de lei que permite o Ensino Domiciliar, conhecido noutros países como homeschooling, para a educação básica no município de Itaúna. De autoria do vereador Joel Márcio Arruda (PL), a proposição foi vetada integralmente, pois esbarra em “vício de iniciativa, de natureza insanável”, uma vez que a criação de leis referentes à organização de serviços públicos é prerrogativa do chefe do executivo. Além disso, por ser matéria de educação, o legislativo estaria contrariando a competência da iniciativa, que é exclusiva da União, dos Estados e do Distrito Federal, disposta na Constituição Federal. O veto foi mantido por 15 votos. Somente votou contrário o proponente Arruda. Nessa matéria, o presidente da Câmara não vota. Dos quinze votos agora contra o projeto, quatorze modificaram a postura, já que o projeto de lei foi aprovado em maio desse ano por maioria absoluta dos edis e apenas Gleison Fernandes (PSD) votou contra. A manutenção do veto aconteceu na reunião de terça-feira 16, somente com a presença dos vereadores em plenário, por causa da pandemia do Coronavírus.
À porta da Câmara, um grupo de manifestantes portava cartazes e gritava palavras de ordem contra o projeto e com críticas ao vereador que o propôs. Durante os últimos dias, esses manifestantes ocuparam as redes sociais para combater a proposta. Um carro de som circulou pela cidade na segunda e na terça-feira, antes da votação, chamando o povo para ir à porta da Câmara e pedindo aos vereadores que votassem contra o homeschooling. Até mesmo numa manifestação pública na praça Dr. Augusto Gonçalves, ocorrida na manhã do último sábado 13, contra o governo Bolsonaro, o assunto veio à tona em alguns pronunciamentos de intensa contrariedade. Na sessão do legislativo o clima foi de queixa, de mea culpa, além da revisão de votos. Joel Arruda queixou-se daquilo que chamou de excesso e de falta de entendimento de algumas pessoas, que optaram pelas ofensas a ele e seus familiares. O projeto de lei, explicou o proponente, não obriga a criação do ensino domiciliar, mas permite para as famílias que assim o quiserem. É uma maneira de evitar desgastes e longo tempo jurídico para se legitimar a vontade de uma família de educar seu filho em casa e não na escola. Não é um direito, mas uma possibilidade. “A família é a minha bandeira, em todo o meu mandato, por isso é que fiz esse projeto”, salientou. “Muitos não entenderam isso e preferiram as ofensas, as agressões a mim, a meus familiares e a outros vereadores”, reclamou.
O pronunciamento do vereador foi feito de forma sofrida e, até submissa, e foi corroborado em algumas falas de seus pares, como Otacília Barbosa (PV), Márcio Gonçalves (PSL), Antônio de Miranda (PSC), Giordane Alberto (PV), Anselmo Fabiano (PDT), Gláucia Santiago (PL) e até mesmo o presidente da Casa, Alexandre Campos (DEM). Para esses, os argumentos contrários à proposta não podem resvalar para o terreno das ofensas pessoais, tampouco para o da calúnia. “O vereador Joel está bem intencionado com a proposição”, defendeu o colega Antônio de Miranda Silva.
Retrocesso à inclusão da criança com deficiência
Contrariando parecer da procuradoria geral do Legislativo, o Ministério Público orientou os vereadores a derrubarem a proposição do ensino domiciliar em Itaúna com argumentação de inconstitucionalidade formal e material. Foi essa a justificativa de alguns edis para a mudança de voto e pela manutenção do veto do prefeito. Otacília Barbosa, que é advogada, afirmou que à época da votação chegou a verificar isso, mas apostou no parecer dos juristas do legislativo, que defenderam a constitucionalidade da matéria. Seguindo essa mesma linha, se pronunciaram e se justificaram Antônio de Miranda Silva, Giordane Alberto, Gláucia Santiago e Márcio Gonçalves Pinto. Gleison Fernandes manteve o mesmo voto e justificou que sempre foi contrário à homeschooling por entender que a proposição constitui em retrocesso no que se refere a inclusão da criança com deficiência, conquista antiga de Itaúna. Anselmo Fabiano também se apoiou nesse argumento para defender o veto ao projeto de lei. Gleison Fernandes diz entender ainda que o projeto de lei abre campo para a possibilidade do trabalho infantil, uma vez que a criança estudando em casa dificultará a fiscalização dessas práticas. Ele encerrou parabenizando o prefeito pelo veto. Os vereadores também apontaram outros dois problemas decorrentes da aprovação do projeto de lei que autoriza o ensino domiciliar: a impossibilidade da socialização das crianças e dos adolescentes na escola e a evasão escolar. O edil Hudson Bernardes (PSD), em nome da base aliada do executivo, agradeceu os colegas pelos votos favoráveis ao veto do prefeito.
Redes sociais comemoram
De volta às redes sociais, militantes ligados a partidos políticos de esquerda e educadores comemoraram a manutenção do veto e a derrubada do projeto de lei do ensino domiciliar. “Lugar de criança é na escola” e “Vitória do povo, da democracia, da educação”, foram algumas das postagens publicadas desde terça-feira.