Pedro Nilo
O que a dúvida traz ao homem? A Pedro Santos, trouxe a poesia. É muito claro que seu primeiro livro de poemas, chamado “O Sentido de Tudo”, publicado em 2019, nasce essencialmente de profundos questionamentos existenciais e metafísicos, o que dá a sua poesia um caráter filosófico um tanto peculiar. Com um eu lírico que mistura humildade com reflexão, em diversos momentos da obra é possível notar a aceitação do próprio desconhecer: “E qualquer conteúdo / na verdade não cabe, / nem merece um amém”; “Nem mais certeza tenho se teria nascido, / ou se fui apenas um sonho do que não existia”; “quase nada em minha bagagem / de viajante incompleto, / sem saber de onde veio / nem onde vai dar certo / esta incerteza sem freio”; “Engana-se quem pensa comandar o que vive: / é inútil achar que a tudo pode compreender”; ” Eu não te aconselho / nem te dou a saída”.
Uma consequência talvez quase inevitável dessa postura questionadora que perpassa o interno e o externo é o questionamento da própria fé, materializada na figura de Deus, ser com o qual o eu lírico demonstra relação conflituosa, como fica expresso nos poemas “Crença” e “Deus pra mim”.
Há também outros temas e aspectos presentes na obra, incluindo o fazer poético, como nos poemas “Poeta Morto de Fome”, “Minha Poesia” e no muito belo “Enquanto isso”; a exaltação da família, como em “Um beijo no Carnaval”, “Trem sem rumo” e “Deusa-mãe”; a morte em: “Entre a vida e a morte” e no peculiar “O dia de minha morte”, que chega a ser quase um poema-crônica, tamanha sua cotidianidade irreverente; protesto, como no interessante e irônico “Vida longa ao demônio”.
No fim, acho que o “O Sentido de Tudo” é um corajoso e humilde desabafo. E, nisso, mais uma vez a tão repetida pergunta “pra que serve a poesia?” ganha mais uma resposta tão natural: serve para sobreviver, para dar vazão ao que não tem resposta (e que talvez nunca vai ter).
Deixo abaixo como sugestão o mais lírico de todos os poemas do livro. Um olhar completamente poético para um céu cheio de nuvens. Seu título: “Uma nuvenzinha”.
“Vi no céu, ao entardecer,
uma nuvenzinha de algodão,
correndo pelo espaço,
pulando e brincando
e se confundindo com a barba de Deus,
que a pega nos braços
e a põe para dormir.
Mas, na manhã seguinte,
lá estava ela de novo,
tão branquinha no azul celeste
e não estava sozinha,
junto com outras iguais
e tão feliz a desafiar os ventos,
seguindo uma nuvem maior,
que as guiavam pelo eterno.
E foram chegando mais
e se juntando todas
a esconder do sol,
num céu todo nublado,
até que uma chuva fina
começa a cair tão mansa
a molhar meu rosto,
a encharcar meu peito
e, num momento de paz,
a enxugar meus olhos.