Entrevista Camila Kasmyn

Uma pequena artista se agiganta nas ruas de Itaúna fazendo música e política

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Uma pequena, de tamanho, jovem, que exibe o cabelo de um azul muito vivo, empunha um violão e mostra sua arte com muita energia e entusiasmo em espaços alternativos e na ‘Praça da Matriz’, para uma gente que, muitas vezes,  não tem tempo de parar para escutar uma boa música. A pequena Camila Kasmyn chegou em Itaúna e em pouco tempo construiu uma grande rede de amigos e de admiradores. Música, compositora, cantora e poeta. O que mais? Mais um tanto de arte que brota de suas criações onde quer que esteja.

Camila Kasmyn nasceu em Nilópolis (RJ), mas diz que vem de muitos lugares. Está em Itaúna há poucos anos. Quando tinha sete anos, a mãe, que era mineira de Leopoldina, retornou para Minas, mas faleceu alguns dias depois, de acidente de carro, trazendo grande sofrimento à família. Ela foi criada pela avó Dirce, que era separada do avô, mas eles morreram quando Camila ainda era adolescente.  O pai de Camila morreu antes mesmo dela nascer, foi assassinado. “Alguns contam que ele ‘mexia com coisa errada’. Outros, que ele era bandido”. Com a morte da avó, a menina acabou tendo que voltar para o Rio. Morou uns meses nas ruas, com apenas 14 anos. Depois, até os 18, no abrigo Padre Arthur Hartman, em Nilópolis. Quando completou a maioridade foi para Curitiba, depois para São Paulo e retornou ao Rio. Foi diagnosticada com depressão, bipolaridade e ansiedade; num desses momentos da doença não tinha ânimo para sair da própria cama. Foi por essa época que recorreu às drogas, à cocaína e, além disso eram seis comprimidos de remédio por dia. Decidiu, enfim, que “aquele não era meu lugar de cura”.

Camila Kasmyn falou ao Jornal S’PASSO na tarde de quarta-feira (16).

Lugar de cura

Ela diz que encontrou um caminho em Minas Gerais. “Santa Marina me foi apresentada na Comunidade terapêutica Umbandaime, em Betim. Após nove meses de tratamento, enquanto precisei parar e olhar pra dentro de mim. Como dizia minha vó: “Antes tarde do que nunca, né? Quando fui pra lá, a pandemia ainda não havia começado e quando saí, estava no auge dela”, revela.

O caminho para Itaúna

Já uma artista de rua, Camila Kasmyn sabia que não seria bom voltar de imediato para o Rio de Janeiro. Além disso, era melhor ficar por aqui para estar mais próximo das atividades em Santa Marina, a congregação do ‘Santo Daime’. “Ali também funciona a igreja dessa doutrina. E foi na chegada de visitantes fiéis que conheci uma galera massa de Itaúna e entre eles minha namorada Lorrayne, a quem sou muito grata por tudo que me foi e tem sido. Além de tudo, ela abriu um caminho muito importante, me agregando tantas coisas… seria preciso fazermos outra entrevista para contar. E foi assim que cheguei em Itaúna, lugar que me acolheu”, afirma.

Todo artista tem de ir aonde o povo está

Camila Kasmyn pontua que é muito gratificante quando os convites para cantar surgem. E pede licença para responder usando a canção do Milton Nascimento “Bares da Vida”: “Todo Artista tem que ir aonde o povo está”. E diz que sempre faz questão de saber dos movimentos que estão acontecendo na cidade, nas artes e na política. “Afinal nosso corpo é político e tantas bandeiras que carrego no meu, é importante me fazer presente”, destaca.

A arte salvando vidas

“A Arte chegou em minha vida para me salvar e vem me salvando enquanto transmuto através dela. Me curo permitindo que essa ferramenta possa curar outras pessoas também. Cada qual tem sua importância. A escrita me mantém aqui. Também escrevo para não esquecer e às vezes para não pirar. A poesia me traz esperança e a música é aquela ponte que nos liga a nossa alma. A pintura me traz concentração, aquietando minha inquietação”, confessa.

Artista. Vagabundo!

A arte de Camila Kasmyn é bem refinada, é arte de rua. Uns aplaudem, mas alguns já lhe chamaram de vagabunda. “Antes desse governo do Bolsonaro e de minha doença também a economia estava um pouco melhor, não só para mim. Hoje em dia as contas têm atrasado mais. Não tem sido fácil, porém nunca foi um caminho fácil de seguir. Ainda mais num sistema feito para esmagar os sonhos da gente. Mas somos insistentes.  E ali, numa esquina, num bar, numa praça ou num transporte público, sempre haverá um destemido artista de rua. Não só mostrando sua arte, mas despertando sonhos. E nós queremos que seja possível nos manter economicamente somente com arte. Dá para achar um rombo de desigualdade, se pensar que tem artista que nunca passou ‘perreco’ na vida”, avalia.

Luta política

Camila reafirma que seu corpo é político e onde quer que esteja sente a necessidade de lutar pelas mudanças do seu meio. “Seja num protesto no Rio, em São Paulo, aqui ou em outro lugar. Acho que isso vem da minha vó. Ela sempre foi muito justa, porém tinha medo da ‘justiça’, onde poderia ser facilmente condenada até mesmo sem abrir a boca. Então, eu falo por nós e quando é preciso, eu grito também. Aqui em Itaúna conheci o gabinete ‘Nós por Nós’, da vereadora Edênia Alcântara, e venho acompanhando a luta de fato por um todo. E vejo através dela a voz “da minoria” ecoando, seja através dos projetos sociais ou para uma votação onde outras pautas também possam ganhar voz. E isso me faz desejar cada vez mais não apenas como mulher nesses berços políticos, mas também a mulher política”, ressalta.

Consciência negra todo santo dia

Na sua opinião a Consciência Negra “deveria ser todo santo dia”, pois todo dia tem um preto sendo escorraçado, humilhado ou virando estatística. ”Não tem sido fácil a luta do meu povo. E mesmo sobre uma reparação cultural, precisaremos talvez de mais anos que tivemos escravizados para reparar todas as mazelas que o racismo estrutural causou e vem nos causando. A busca por nossa história nos vemos sendo apagada no tempo.  Nossas famílias seguem separadas até hoje. Muitas em ‘pelourinhos’, outras resistindo em cada comunidade que se espalhou pelo país. Precisamos lembrar que nossos ancestrais saíram com uma mão na frente e a outra atrás logo após a alforria e nós somos a continuação dessas vidas”, afirma.

Reparação de um psicológico destruído

“Que política poderia reparar um psicológico destruído, onde muitos são acometidos por inferioridade, baixa estima e sem reconhecer a beleza do seu ser, dos nossos corpos?  Por vezes, procurando nossa identidade, seguimos alisando cabelos na tentativa de sermos aceitos. Nós não estamos aqui para sermos aceitos e sim respeitados. Passou da hora de mudarmos esse sistema e tirar essa pirâmide onde a mão de obra operante e que sustenta essa base muitas vezes não tem nem o que consumir. Uma violência dirigida nos coloca uns contra o outro, nos limita na educação, na saúde, na alimentação que deveria ser o mínimo para dignidade de um ser humano. Encurtado nosso espaço, é cada vez mais difícil a entrega de um currículo por mãos pretas. E ainda há quem diz não concordar com o sistema de cotas. Os bullyings ainda fazem parte da nossa terapia. Reescreveram nossas histórias onde uma parte se estabelece no crime e a outra limpando a casa da madame”, pontua.

A carne mais barata

A artista lamenta que as estatísticas acerca da luta do negro vêm ainda reafirmar que “é a carne mais barata do mercado”, entretanto, “não estamos e nunca estivemos à venda. Na bandeira do Brasil não deveria ter apenas grafismos indígenas como também um clamor à Mãe África”.

Governo Bolsonaro: não foram dias difíceis, mas tempos tenebrosos

 Sobre o governo Bolsonaro, Camila Kasmyn afirma que não foram dias difíceis, mas tempos tenebrosos. “Posso dizer que morri várias vezes, de várias formas. Vendo o amor à beira de um colapso e um altar pro ódio. Usaram mais a lei de Moisés do que amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desejo agora para nós um refresco por tudo que passamos nesse desgoverno. No entanto sei que o rombo é gigantesco e vamos precisar mais do que quatro anos parar retornarmos aos trilhos. Desejo também muita força para nós e pro Lula que vai assumir não apenas a democracia de volta, mas pegará vários abacaxis”, avalia.

Protagonismo da arte novamente

Ela afirma que já começamos a ter um protagonismo da arte e da cultura, somente pelo pronunciamento do presidente, feito após o anúncio do resultado das urnas em 30 de outubro. “Ter medo de cultura é temer a liberdade. O presidente Lula promete retomar ministério da Cultura no país. Acho que já venho contribuindo para que o olhar dos poderes públicos alcance minha arte e foi dessa forma que você chegou até a mim. Resistindo com resiliência dia após dia nas ruas. E para que alcance mais pessoas, tenho me expandido também através das redes sociais com minhas artes. Aliás, meu arroba no Instagram é @kasmyncamila. Agora nas periferias, o que posso dizer? Eu venho de lá, trazendo a voz da favela que me concebeu. Meu Negoooo, chegamos ao fim. Só gratidão. Arte salva, arte cura e arte transforma nossas vidas”, finaliza.

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