ESCREVER É UM ETERNO QUESTIONAR

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@toniramosgoncalves*

A primeira oficina de escrita literária em que participei ocorreu em agosto de 2.000, sob a orientação da poeta itaunense Maria Eneida Nogueira Guimarães, que veio a falecer em 2023. Na época, já tinha publicado dois livros, mas ainda assim desejava aprimorar meus conhecimentos. Hoje, após algumas décadas, tenho cinco cursos de Escrita Criativa em meu currículo. Recordo-me, como se fosse ontem, daquela primeira aula em 2.000. Minha futura colega e confreira na Academia Itaunense de Letras fez a seguinte pergunta:

– Por que você escreve?

Esta pergunta, frequentemente feita em entrevistas com escritores, é uma das mais difíceis de responder e explicar. E para exemplificar recorri ao livro “Auto-retratos” (1991), de Giovanni Ricciardi, no qual vários escritores renomados exploram suas motivações para escrever, revelando a complexidade subjacente a cada uma.

Fernando Sabino (1923-2004):

“Tenho a impressão de que se soubesse responder a essa pergunta deixaria de ser escritor. Não haveria condição. Está além da minha compreensão. Esta pergunta é tão grave como se perguntassem: Por que vive? Por que ama? Por que morre? Talvez eu escreva para atender a essas três presenças que são as únicas que existem na vida de um homem. (…) Não sei por que escrevo.

Clarice Lispector (1920-1977):

“Eu tive desde a infância várias vocações que me chamavam ardentemente. Uma das vocações era escrever. E não sei por que foi essa que segui. Talvez porque para as outras vocações eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto para escrever o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós e ao nosso redor. É que não sei estudar. E, para escrever, o único estudo é mesmo escrever. Cada livro meu é uma estreia penosa e feliz. Essa capacidade de me renovar toda à medida que o tempo passa é o que eu chamo de viver e escrever.”

Autran Dourado (1926-2012):

“A gente começa porque tem jeito para escrever e depois porque não tem jeito de parar. O prazer de escrever, eu não tenho. O que eu gosto, realmente, é de reescrever o material – alguns não gostam. A página em branco me dá uma angústia. Não sei se a página seguinte vem, se vou conseguir fazer o segundo capítulo. (…) Acho que escrevo um livro exatamente porque fracasso. Se fizesse um bom livro, que satisfizesse plenamente, não precisava escrever mais. A gente escreve porque fracassa, e fracassa menos quando ambiciona mais.”

Jorge Amado (1912-2001):

“Não sei fazer outra coisa… Então, primeiro, eu escrevo porque, bem ou mal, é a única coisa que sei fazer; segundo porque é um ofício que sendo difícil, por vezes dramático mesmo, mas que também dá muita alegria, uma certa satisfação por ter feito alguma coisa. E é por isso que escrevo. Eu escrevo também porque não tenho outro meio de vida senão os direitos autorias dos meus livros.”

No jornal Folha de São Paulo do dia 03/06/1984, Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) respondeu desta forma:

“Posso dizer sem exageros, sem fazer fita, que não sou propriamente um escritor. Sou uma pessoa que gosta de escrever, que conseguiu talvez exprimir algumas de minhas inquietações, meus problemas íntimos, que se projetou no papel, fazendo uma espécie de psicanálise dos pobres, sem divã, sem nada. Mesmo porque não havia analista no meu tempo, em Minas.”

No livro “Escrita em movimento” (2023), a autora Noemi Jaffe ressalta que durante o século XIX, a arte era percebida como uma manifestação de isolamento e genialidade, quase como se os artistas fossem escolhidos e suas obras fossem inspiradas por uma fonte externa, talvez celestial ou até infernal. No entanto, com a chegada do século XX, o ato de escrever ou criar arte evoluiu de uma capacidade quase divina para uma atividade acessível a todos que se dedicam a ela.

De acordo com o palestrante e professor Stalimir Vieira, da Escola Superior de Propaganda e Marketing, em entrevista à Folha de São Paulo em 17/03/1997, a criatividade não é um dom divino; ao contrário, deve ser estimulada ativamente. Para isso, é essencial combinar informação com paixão. Ele enfatiza que uma pessoa criativa não é um mágico: um artista não cria a partir do vazio, mas necessita de um vasto acervo de informações e um profundo envolvimento com o seu trabalho. Para ser “inspirado” é preciso buscar a convivência com todos os padrões humanos. Segundo ele, o que muitos consideram como dom da criatividade é, na verdade, o uso hábil de informações acumuladas sobre um assunto, aplicadas no momento certo para gerar impacto. É preciso provocar a sensibilidade.

Neste cenário, Noemi Jaffe (2023) entende que ao se preparar tanto física quanto mentalmente para a escrita literária, uma pessoa mobiliza um conjunto de capacidades, procedimentos e práticas que, somados, podem ser descritos como “inspiração”. Para aqueles que aspiram escrever ficção, é fundamental determinar um espaço e um período específicos, além de manter uma constância e regularidade na escrita. Desenvolver foco, paciência e dedicar-se à leitura são aspectos chave. Adicionalmente, no processo de escrita, torna-se imprescindível saber lidar com desafios como frustrações, demoras e críticas.

A escrita, embora possa começar como um impulso ou uma necessidade de expressão, transforma-se em uma jornada de constante aprendizado e evolução. Não é um caminho reto ou fácil; é repleto de obstáculos, descobertas e, acima de tudo, um compromisso contínuo com a melhoria e a introspecção. Cada escritor, com sua voz única, contribui para a diversidade da literatura, revelando que, mais do que a busca por respostas definitivas, escrever é um eterno questionar, um diálogo constante entre o autor e seu mundo interior, assim como com o universo ao seu redor. Através da escrita, exploramos não apenas a complexidade da condição humana, mas também a nossa própria identidade, desejos e temores. Escrever é um ato de coragem e um exercício de liberdade, permitindo-nos transcender as limitações da existência cotidiana e tocar algo genuíno e eterno dentro de nós.

– E você? Por que escreve?

* Toni Ramos Gonçalves

Professor de História, Escritor, Editor, ex-presidente e um dos fundadores da Academia Itaunense de Letras – AILE. Graduando em Jornalismo.