Já é longe o tempo em que as eleições de Itaúna eram na base do papel. Na campanha, na votação e na apuração era uma quantidade de papel (uma papelada) de dar medo. O voto em cédula de papel foi instituído no primeiro império, a partir de 1822. Antes, no período colonial, o voto era feito em declaração oral.
Muitas pessoas ficaram estarrecidas com a demora da votação e da divulgação dos resultados finais das eleições nos Estados Unidos na semana passada. No Brasil, era mais ou menos assim, há pouco mais de vinte anos, quando ainda não havia sido inaugurado o sistema eletrônico de votação. Antes das primeiras urnas eletrônicas chegarem por aqui, em 2000, os eleitores votavam em cédulas de papel. Para o cargo de prefeito, marcava-se um X no quadrinho à frente do postulante e o eleitor escrevia o nome do candidato no espaço destinado ao de vereador. Aos analfabetos não era dado o direito de votar. A apuração dos resultados demorava uma eternidade, contando voto a voto, cédula por cédula e, muitas vezes, tinha-se que traduzir os votos, decifrar a vontade do eleitor naqueles garranchos escrevinhados nos pedaços de papel. Custava às vezes muitos dias para se chegar ao termo da disputa. Sofria o candidato, sofria o eleitor.
Os escrutinadores da Justiça Eleitoral eram acompanhados de perto pelo olho do dono, os fiscais dos partidos, ou os próprios concorrentes aos cargos eleitorais. Mas, ainda assim, houve muita denúncia de que os resultados foram modificados nas mesas de apuração, na ponta da caneta, especialmente nas cédulas de votos em branco. Um X era muito fácil de ser colocado no quadrinho vazio pela caneta do apurador de má fé, o partidário disfarçado (e esperto).
“Voto-marmita”
O ex-vereador e ex-presidente da Câmara, Tuca Corradi, relata à reportagem do S’Passo que é do tempo do ‘voto-marmita’. “Eram os papeizinhos, enchia-se o papelzinho com os nomes do prefeito, vereador, governador… fazia aquele pacote e colocava aquilo tudo dentro da urna”, lembra com alegria. E as campanhas? Tuca conta que era uma delícia a campanha eleitoral, os candidatos nas ruas, a distribuição de santinhos, os caminhões-palanques, os comícios por todo lado. “Hoje tá muito restrito, muito fechado esse sistema que temos. Não se pode fazer nada. Você vai se eleger somente através de celular? Não me adapto com isso não”, queixa-se. O ex-vereador lembra que houve duas épocas, digamos, gloriosas, do voto-marmita e do tempo das cédulas de papel, onde a intenção do votante era preenchida na hora da votação. “Creio que na época do voto de papel a corrupção era bem menor que hoje. É claro que com as marmitinhas havia quem chegasse e trocasse a marmita do colega no bolso dele, sem que ele percebesse, é claro. Vi muito isso aqui, mas, ainda assim, hoje a fraude é muito maior. Um segundo e você muda tudo na urna eletrônica. O candidato tem que ficar esperto”, observou.
Em Itaúna, as urnas com os votos eram levadas para o salão do Fórum onde era feita a contagem. Noutros tempos, mais recentes, cresceu o número de eleitores e de candidatos – e de cabos eleitorais dispostos a acompanharem o processo até à fase final. A apuração foi transferida para o Clube União e, depois, para o ginásio poliesportivo da praça de esportes JK. Aí veio a urna eletrônica e o voto em cédula de papel foi aposentado, para sempre.
Prefeito eleito com 11 votos de diferença do segundo colocado
Existem algumas histórias curiosas do tempo dos votos de papel em Itaúna. Houve uma eleição, certa vez, em que o resultado geral foi contestado com a denúncia de que uma urna inteira, recheada de votos, simplesmente desapareceu. Parece-me que a urna era de uma seção da zona rural.
Noutra disputa municipal, em 1954, o candidato favorito à prefeitura era o sindicalista José Francisco de Freitas, o Zé Biscoitão, do inolvidável PTB. Seu oponente era o também aclamado pedetista, Milton de Oliveira Penido, dentista e professor. Zé Biscoitão perdeu a Prefeitura por uma diferença minúscula de 11 votos. Essa penosa competição é relatada pelo historiador Miguel Augusto Gonçalves de Souza, em seu livro “Itaúna – 1765-2002” (Santa Clara, 2002). Milton Penido foi à época o prefeito mais jovem da história de Itaúna, eleito com 32 anos. Venceu as eleições com 1.938 votos contra 1.927 de Zé Biscoitão. Os demais concorrentes dessa peleja no longínquo ano de 1954 foram o Dr. Antônio Augusto de Lima Coutinho (PRP/PSP), que teve 1.274 votos e Cândido Perillo (UDN), com 278 sufrágios.
E noutro tempo aconteceu de um cidadão mandar fabricar uma urna especial para as eleições, não as municipais, mas para a direção de uma entidade desportiva. A tal urna coletora de votos de papel tinha um fundo falso e neste espaço havia os votos suficientes para a eleição de certo candidato. O sujeito responsável pela contagem dos votos descobriu a tempo a tramoia e o fundo falso da urna foi revelado.
Coisa inverossímil, mas que é fato acontecido e relatado, dum determinado pleito em Itaúna em que para virar o jogo, cujo resultado era de menos de uma dúzia de votos, o escrutinador comeu (literalmente) as marmitinhas dos votos do adversário. O candidato da vez era um sujeito da tradicional família itaunense, gente da elite dos cobres e dos laços de ancestralidade no poder. O adversário era representante dos operários. Ganhou um e perdeu o outro, porque os votos foram digeridos pelo coronel.
E as eleições de Itaúna, antes do voto eletrônico e dos tempos modernos do computador e da internet, tiveram seu papel na história local.