Na próxima terça-feira (1º) têm início as festividades de Nossa Senhora do Rosário com o levantamento de “bandeiras de aviso” e a novena nas tradicionais igrejas da Santa, no Alto do Rosário. A Festa de Nossa Senhora do Rosário, ou Festa do Reinado, é mais antiga que a própria cidade de Itaúna e constitui a mais significativa manifestação cultural e religiosa do município, que leva aos lugares onde é realizada – nas duas igrejas, nas casas dos congadeiros e nas ruas por onde passa – milhares de pessoas, durante os 15 dias. A Festa do Reinado, também chamada de Congado, tem o seu ponto alto no dia 15 de agosto, dia da santa dos pretos.
Um pouco da história desta festa é contada nesta edição pelo congadeiro, Jéfferson Lázaro da Silva Gregório, 38, capitão da Guarda Moçambique de Santa Efigênia, da Irmandade das Sete Guardas. Jéfferson é itaunense, casado, filho e neto de congadeiros tradicionais da cidade. Ele diz que começou a gostar da festa ainda no ventre de sua mãe e tão logo foi consagrado à Senhora do Rosário. Quando fez três anos, virou capitão mirim do Moçambique de Santa Efigênia. Hoje, além de capitão do Moçambique, é diretor de festas da Irmandade das Sete Guardas. O jovem congadeiro é assessor parlamentar do vereador Gustavo Dornas Barbosa (Patriota).
O Reinado vem de muitas gerações
Foram bisavós, avós, tios, pai, mãe, uma grande família que atua nesta tradição com grande resistência. Aliás, num passado não muito distante, tiveram que impor sua luta para que o Reinado continuasse a existir e fosse adotado também pelas crianças. Para mim e a minha família é muito especial a Festa do Reinado, que se espalha por várias cidades do Brasil com a marca de Itaúna. E hoje, o nosso Moçambique não é somente um grupo de família, todos são bem vindos. É uma festa de inclusão.
Um pouco da história das santas
Muitos conhecem a história, mas é sempre bom contar. Foi construída no alto do Rosário, onde Itaúna nasceu, a Igreja de Sant’Ana. As pessoas saíam de suas casas e iam à missa na Matriz e as mulheres tinha que passar pela Gonçalves da Guia, conhecida como ‘Rua da Zona’. Em baixo, no centro da cidade, havia um oratório onde os pretos dançavam, levantavam bandeira e faziam seus cultos em honra à Nossa Senhora do Rosário. As famílias e os padres fizeram a troca das “igrejas” e Sant’Ana ficou na parte central, onde é hoje a matriz. Nossa Senhora do Rosário foi transferida para o alto, na sua igreja. Numa época mais antiga da Festa do Reinado, o Dr. Guaracy de Castro Nogueira, conseguiu um terreno para que fosse construída a igreja menor, que muitos chamam de capela ou sede, mas que é a nossa Igreja.
A Igreja de Cima
Essa igreja, que é civil e não eclesiástica, como a ‘Igreja de Baixo’, foi construída pelos congadeiros, inclusive minha avó Dona Çãozinha, que carregava água do rio para a obra. Ela foi construída depois de uma divisão entre os principais líderes do Reinado, João Crioulinho, meu avô, e Joaquim Procópio. A história do Reinado ou Congado é conhecida de todos, da lenda de Chico Rei, da história de Galanga Muzimba, dos primeiros monarcas africanos vindos para o Brasil na condição de escravos…
A criação do Moçambique de Santa Efigênia
A Guarda de Moçambique de Santa Efigênia, da qual eu faço parte, existe há mais de 30 anos. Foi criada pelo Hélio Gregório, Maria Regina e Zé Luiz, meus pais. Hoje, temos cerca de 80 integrantes, 26 crianças dançam com a gente e ajudam a manter essa tradição, além de fortalecer essas raízes.
Reinado o ano inteiro
A guarda de Moçambique de Santa Efigênia atua não somente em agosto e em Itaúna, mas em várias cidades, em intercâmbio que acontece o ano inteiro. Outras agremiações vêm a Itaúna e a gente paga a visita indo nas suas cidades. Nesses encontros, acontecem os eventos religiosos, os cortejos e são servidos café e almoço, que são custeados pelos que recebem. O translado fica por conta do visitante. A gente tem ajuda financeira de algumas pessoas e fazemos uma vaquinha entre os participantes para as despesas.
É preciso um olhar mais carinhoso para esta festa grandiosa
Este ano foi aprovado um projeto de lei na Câmara Municipal concedendo R$ 80 mil para a Festa do Rosário. O dinheiro será repartido entre a 11 guardas, sendo pouco mais de R$ 7 mil para cada. Um dinheiro que não cobre os principais gastos. Como eu falei, temos outras contribuições de pessoas – antes era muito maior –, até mesmo de políticos que há pouco tempo estão investindo através de emendas parlamentares. Mas, entendo que é necessário que o poder público tenha um olhar mais carinhoso para com esta festa, que é a maior de Itaúna e a mais tradicional. Não é somente com dinheiro, mas que haja investimentos para que a tradição continue. Temos em Minas Gerais o maior Reinado do Brasil, Itaúna sente orgulho dessa cultura e religião.
O Reinado de 2023
A festa mesmo começou em julho, com a visita às bandeiras dos mordomos, ou seja, aquelas pessoas que, depois de alguma graça alcançada ou de um pedido feito, levam para suas casas as bandeiras dos santos e são visitados pelas guardas. Eles ficam com a bandeira de um ano para o outro e são os seus guardiões. Durante o mês de julho são realizadas essas visitas. No dia 1º de agosto tem o início da festa com o levantamento das ‘bandeiras de aviso’. As guardas buscam as bandeiras nas casas dos mordomos e as levam para a Igreja, no Alto do Rosário. Ali está o fundamento da festa. Do dia 1º ao dia 14 é realizado o levantamento das bandeiras em preparação para “festa grande” no dia 15 de agosto.
Café Cultural na casa da Rainha Dona Çãozinha
No dia 15, as guardas e o povo se reúnem na casa da Rainha Perpétua Dona Çãozinha, que hoje está com 97 anos e que desde os 14 anos é representante de Nossa Senhora do Rosário nesta festa. Por causa de uma promessa feita por ela, sua casa se transforma no ponto de encontro das guardas e das pessoas que gostam da festa e de visitantes de outras cidades. Depois do “café cultural” é feito o cortejo das guardas até a Igreja. Nesse dia, os congadeiros também oferecem almoço para os participantes das guardas e os visitantes, como acontece na casa da Dona Çãozinha, da Rainha Conga, Dona Maria Ana e do Rei Congo, Dilermano Vítor. Esses almoços e cafés são patrocinados pelas famílias que os oferecem com ajuda da comunidade.