Instalação do MST na divisa de Itaúna com Itatiaiuçu gera conflito, denúncias e projeto polêmico

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A possível instalação de um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na comunidade de Córrego do Soldado, na divisa entre Itaúna e Itatiaiuçu, desencadeou uma série de eventos políticos marcados por acusações, embates e um projeto de lei que está sendo apontado como inconstitucional. O caso, revelado com exclusividade pelo Jornal S’Passo, escancarou divergências na relação entre os dois municípios e agitou várias autoridades.

O episódio de maior repercussão ocorreu na tribuna da Câmara, quando o vereador Kaio Honório (PMN), conhecido por sua atuação alinhada à direita e ao bolsonarismo, fez duras críticas à possível vinda do MST para a cidade. Durante discurso inflamado, Kaio declarou-se “veementemente contra o assentamento” e, ao mencionar o colega Gustavo Barbosa (Republicanos), foi abruptamente interrompido. 

“Você citou meu nome. Não coloca palavras na minha boca, não!”, rebateu Gustavo, visivelmente irritado. “Não é que eu tenha nada contra, eu só disse que as condicionantes legais devem ser cumpridas. Você está doido?”, completou, elevando o tom do debate. 

O embate ganhou repercussão nas redes sociais e expôs uma ruptura interna na Câmara, onde os vereadores vinham, até então, atuando de forma mais alinhada. A fala de Kaio, ainda que provocativa, levantou pontos de preocupação que encontram eco em parte da população, especialmente nas áreas próximas ao possível assentamento. 

Durante sua fala, Kaio Honório elencou uma série de impactos negativos que, segundo ele, a instalação de cerca de mil pessoas na região traria para Itaúna. “Toda vez que qualquer empreendedor vai construir um loteamento, ele tem que seguir uma série de normas urbanísticas. Com o MST não pode ser diferente”, argumentou. “Temos que exigir os mesmos critérios. Se isso inviabilizar a vinda deles, melhor ainda.” 

Entre os principais pontos destacados pelo parlamentar estão o risco de desorganização urbanística, aumento da criminalidade, sobrecarga nos sistemas de saúde e educação e até a possível desvalorização de terrenos vizinhos ao acampamento. “Qual proprietário de imóvel vai querer um acampamento do MST ao lado? Quem quiser, que leve para perto da sua casa!”, provocou o vereador. 

Suspeitas de acordo político  

Fontes ligadas ao Jornal S’Passo sugerem que agentes políticos de Itatiaiuçu e lideranças locais da zona rural de Córrego do Soldado articularam um acordo judicial que permitiria a instalação do acampamento na divisa entre as cidades. A estratégia seria tirar o foco da cidade vizinha e “empurrar o problema” para Itaúna, dificultando a organização política e até mesmo possíveis candidaturas futuras. 

A informação adiciona uma camada ainda mais sensível à crise e levanta questionamentos sobre a legalidade e a transparência do processo de mudança do MST de Itatiaiuçu para a área no Córrego do Soldado, uma vez que o Legislativo, o Ministério Público e a Prefeitura não foram informados formalmente sobre a existência do acordo. 

Projeto de lei controverso: proibição de gastos públicos com “Grupos Terroristas” e o MST

Paralelamente às críticas, Kaio Honório protocolou o Projeto de Lei nº 64/2025, que propõe vedar o uso de recursos públicos municipais para qualquer entidade que incentive ocupações de terra, com foco explícito em movimentos como o MST, ao qual ele se refere como “grupo terrorista”. 

Entre os trechos mais polêmicos do Projeto de Lei nº 64/2025, está a previsão de que pessoas ligadas a ocupações de imóveis — sejam elas públicas ou privadas — ficarão impedidas de ocupar cargos comissionados na administração municipal, serão excluídas de programas sociais oferecidos pelo município, não poderão participar de concursos públicos e ainda terão eventuais contratos com a prefeitura rescindidos de forma unilateral, sem direito a qualquer tipo de indenização. 

O projeto tem sido duramente criticado pelo conteúdo considerado inconstitucional e discriminatório. Além disso, empresas que prestarem serviços ao município e se relacionarem com tais movimentos também serão punidas com impedimento de contratar com o poder público por até oito anos. 

Advogados ouvidos pelo Jornal S’Passo apontam que o projeto viola diversos princípios constitucionais, como o direito à livre associação, presunção de inocência, isonomia e devido processo legal. Também a criminalização genérica de movimentos sociais representa uma tentativa de censura e perseguição política. 

“Esse projeto é uma aberração, e acredito que a Procuradoria do Legislativo não vai permitir ele ir adiante e seque colocado em plenário. Se ele for colocado em pauta e mesmo assim os vereadores insistirem, e o projeto for sancionado, ele será alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade”, afirmou um advogado especialista em Direito Constitucional à reportagem. 

Área não oferece infraestrutura básica e prefeitura aciona Ministério Público

Diante da polêmica gerada pela possibilidade de instalação de um novo acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na divisa entre Itaúna e Itatiaiuçu, a Prefeitura agiu preventivamente e encaminhou uma Notícia de Fato ao Ministério Público de Minas Gerais. 

A iniciativa, conduzida pela Procuradoria-Geral do Município, quer impedir a ocupação de uma área que, embora esteja situada formalmente em território de Itatiaiuçu, é considerada de alto impacto para Itaúna, por sua proximidade geográfica. 

A medida foi tomada após surgirem informações sobre um possível reassentamento de famílias do MST, como parte de um acordo judicial envolvendo a desocupação da Fazenda Monte Alvão — área ocupada pelo movimento desde 2017, em Itatiaiuçu. Pelo que foi divulgado até o momento, duas novas propriedades nas imediações da comunidade de Teixeiras seriam destinadas ao grupo como parte do acordo de reintegração de posse. 

Segundo a Prefeitura, o local cogitado para a nova ocupação não apresenta condições mínimas para habitação digna. O município argumenta que a área carece de infraestrutura básica como saneamento, acesso a serviços públicos e suporte ambiental, o que poderia gerar sérios impactos sociais, sanitários e urbanísticos — principalmente para a população de Itaúna. 

Como parte do pedido, foram anexados documentos técnicos que apontam a inviabilidade da ocupação: pareceres da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, um laudo ambiental detalhado, além de notas técnicas da Secretaria Municipal de Saúde e da Vigilância em Saúde. 

Após receber a manifestação, o Ministério Público instaurou inquérito civil e solicitou esclarecimentos à Prefeitura de Itatiaiuçu sobre o possível agrupamento social já instalado na região. Também foi oficiado a Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, para apurar os potenciais impactos urbanísticos do remanejamento. 

O prefeito Gustavo Mitre enfatizou que qualquer processo de assentamento deve obedecer a critérios legais, técnicos e constitucionais. “Ignorar essas exigências compromete a dignidade da pessoa humana, o ordenamento do território e a preservação ambiental, podendo desencadear consequências sérias para ambas as cidades envolvidas. Itaúna reforça seu compromisso com a legalidade, a proteção dos direitos humanos e a defesa do meio ambiente, e espera que todos os envolvidos analisem o caso com a responsabilidade que ele exige”, disse.