@psicologo_nilmar
No último domingo de janeiro (29), a empresa de streaming HBO Max lançou o terceiro episódio da série “The Last Of Us” que, numa tradução livre, significa “Os últimos de nós” ou “Os sobreviventes”. Trata-se de uma série de cunho apocalíptico, na qual um homem e uma adolescente caminham por Boston (EUA) e região, lidando com os resultados de uma pandemia catastrófica ocasionada por um fungo. A série, um grande sucesso agora em formato audiovisual, é derivada de um famoso jogo de video game que tem o público mais jovem como principal admirador.
Mas duas coisas muito “curiosas” aconteceram no lançamento deste terceiro episódio. Atenção: “curiosa”, aqui, será um adjetivo que sofrerá modificações. A primeira “curiosidade” é que deve se tratar da primeira vez que uma série de teor apocalíptico, ou seja, com cenário de guerra e destruição, apresenta a história de um casal de homens gays. Não é apenas a presença deles: é a duração da história. Os setenta e cinco minutos deste capítulo são praticamente todos relacionados ao casal Bill e Frank, dois homens maduros que se conhecem em meio ao terror e decidem fazer algo costumeiro na relação entre as pessoas que se amam: um cuida do outro. Eles se conhecem, tal como na maioria dos romances, numa situação inusitada e, para não dar spoiler, conto aqui apenas que terminam também de uma maneira típica de histórias de romances que fazem boa parte das pessoas chorarem de emoção.
Agora, a segunda “curiosidade” foi o que colocou a série no Trendins Topics do Twitter, na segunda-feira: um número grandioso de ADULTOS não só destilou homofobia gratuita na rede, como considerou que a série se tornou inadequadas para crianças por causa da presença e da história desses dois homens. Não foi porque a série como um todo tem a indicação de idade a partir de dezessete anos (M – Mature). Não foi porque, desde o primeiro episódio, o conteúdo frequente é de tiros, assassinatos, decapitação e violência brutal, inclusive com o assassinato de uma adolescente – a filha do papel principal. Aliás, tais conteúdos vinham fazendo da série um sucesso internacional! Mas o que fez mesmo com que um movimento histérico, reacionário e preconceituoso despontasse como uma avalanche foi o relato da vida a dois entre homens. Um casal atravessado pela parceria, fidelidade (inclusive conjugal) e reciprocidade. Não um casal que abandona crianças, que gera agressão doméstica, que não paga pensão ou não assume os filhos, por exemplo, entende?
Pois bem, essa é a tal “curiosidade”: estamos em 2023, e os “zumbis” que assombram de verdade as famílias parecem causar bem menos reação que a vivência da sexualidade dos outros que, às vezes, são diferentes da nossa. Isso faz parecer (ou afirmar) que o que está em jogo nunca foi uma real preocupação com AS famílias ou com AS crianças, mas com UMA espécie de família que se considera a detentora e arauto da moral. Mas os “fungos” estão aí, basta examinar.
Nilmar Silva é Psicólogo (CRP 04/47630) e Filósofo, Especializando em Sexualidade, Gênero e Direitos Humanos; Especialista em Docência do Ensino Superior e MBA em Gestão de Pessoas. Atua clinicamente com foco na Saúde Mental de pessoas LGBTQIA+.
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