LABIRINTO

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1924
@toniramosgoncalves*

Ao entrar na casa, o homem sentia-se aterrorizado e rapidamente trancou a porta. Em seguida, olhou pelo olho mágico para verificar se ainda era perseguido. Não havia ninguém à vista.

Ele passou as costas das mãos sobre a testa suada e adentrou a residência, caminhando por um corredor adornado com fotos em molduras ovais e antigas, que estavam penduradas nas paredes de lado a lado.

Uma mulher de cabelos grisalhos estava sentada no sofá numa sala, em frente ao televisor ligado, com um som quase inaudível. Olhou para ele de soslaio por detrás dos óculos de grau, ao vê-lo em pé na entrada da sala.

O homem olhava de um lado para o outro, tentando reconhecer aquele local. Ficou ali imóvel, sem saber como agir.

– Sente-se! – pediu a senhora apontando o outro sofá. – A novela está acabando. O Joel não demora, aliás, acabou de me ligar, informando o ocorrido.

– Quem é o Joel? – perguntou o homem sem entender nada.

Percebeu que a mulher estava muito tranquila. Não aparentava medo ou ameaça. Então, ele se sentou no sofá que lhe foi indicado, enquanto ela continuava concentrada na novela. Observou os móveis simples da casa, a estante, a cristaleira, os porta-retratos empoeirados.

Inúmeras dúvidas o atormentavam, mas não conseguia formular tantas perguntas. Sua última lembrança era de estar sentado num banco de uma praça, com um rapaz, que ele não reconhecia, a chamá-lo pelo nome. Sem recordar de nada, aproveitou o descuido do rapaz ao telefone e assustado saiu correndo, até chegar ali.

Lembrava que vivia no interior, com os pais, ajudando nas roças. Mesmo com a vida difícil do campo, ele tinha um sonho. Pretendia um dia casar-se com a Mariazinha, uma linda galega de olhos cor de folhagem. Teria que trabalhar muito ainda, estudar, ir para cidade, arrumar um bom emprego, aí sim realizar seu desejo junto à bela moça.

Olhando para o lado, notou que a mulher o vigiava, dissimuladamente.

– Poderia me ajudar a voltar para casa? – suplicou em voz baixa. – Não sei como cheguei a esta cidade, e como vim parar nesta casa. Um rapaz que me perseguia talvez tenha me sequestrado. Não sei, exatamente.

– O rapaz seria o Joel? – perguntou a mulher, com traços de beleza na juventude.

– Ah, meu Deus, vocês são cúmplices?

Levantou-se apavorado, tentando fugir novamente, os olhos girando de um lado para outro, buscando uma saída. Foi quando se deparou com uma imagem refletida num espelho, no fim do corredor.

Aproximou lentamente do reflexo, levando as mãos ao rosto. A pessoa refletida no espelho se parecia com seu pai: o cabelo todo branco, com uma moderada calvície e o rosto bem envelhecido.

Em sua mente lembrava que ainda ontem estava a correr de mãos dadas com sua amada pelos campos, o sol a brilhar num céu azul, a brisa a esvoaçar os cabelos dourados e radiantes de Mariazinha, o primeiro beijo. Ah! Aqueles lábios sedentos de amor.

Agora, diante o espelho, se via velho? Como era possível?

Voltou-se na direção contrária e se viu diante daquela senhora, de olhos cor de folhagem, com as sobrancelhas alteadas.

A mulher aproximou-se de braços abertos, abraçando-o, carinhosamente. O homem deixou-se afundar naquele cheiro até então desconhecido. Depois de longos minutos, a mulher com as duas mãos segurando-lhe o rosto, como de costume, o beijou na testa.

– José… José… – disse sufocando o choro. Não escondia a tristeza, acentuada pelas rugas e por sua voz.

Diante dos seus olhos como num filme em alta rotação ele viu flashes de toda uma vida, trazendo-o de volta a realidade. As recordações desencadearam certo temor.

– Meu Deus, Mariazinha, aconteceu de novo? – disse aflito.

Nisso a porta da casa se abriu e um rapaz mirrado, de olhos verdes, ofegante, adentrou-se na casa e deparou com o casal abraçado. Abaixou-se colocando as mãos no joelho, aliviado, buscando recuperar o fôlego antes de reclamar:

– Oh, pai! Já disse que você não pode sair assim de perto de mim. É perigoso.

– Tudo bem, Joel. Ele teve outra crise. O médico previu que com o tempo elas seriam mais frequentes. – explicou Mariazinha enquanto o acomodava novamente no sofá.

Por alguns momentos, a vida parecia recobrar seu sentido para José. Ele estava em sua casa, ao lado de sua amada Mariazinha e de seu filho. Contudo, a lembrança do Alzheimer o assaltou. Virou-se para a janela entreaberta, pela qual a luz suave do entardecer invadia a sala, e seus olhos marejaram de lágrimas. Seu receio era cair novamente naquele labirinto que se tornara a sua memória e se ver perdido para sempre.

* Toni Ramos Gonçalves

Professor de História, Escritor, Editor, ex-presidente e um dos fundadores da Academia Itaunense de Letras – AILE. Graduando em Jornalismo.