MANTENDO-SE VIVO

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@toniramosgoncalves

O casal costuma assistir aos capítulos da novela das nove horas via streaming, nos fins de semana. Agora que suas filhas são adultas e residem fora, eles preferem descansar para aliviar o cansaço acumulado durante a semana de trabalho, especialmente porque já não são tão jovens. Assim, recuperam suas energias. Neste início de noite de um sábado particularmente quente, o ventilador sopra com força. Num rompante, o marido desliga a TV. A mulher entre um cochilo e outro desperta e pergunta:

– Uai… O que aconteceu? Acabou a energia?

– Toma um banho que vamos sair. – responde se levantando do sofá. – Hoje eu quero é badalar.

Ele então, coloca as mãos na cintura, começa a dançar rebolando, estica o braço direito de um lado para o outro, salta para a esquerda e para a direita, e gira em torno de si mesmo em um ritmo frenético, cantando uma música em um inglês difícil de entender.

A esposa arregala os olhos diante daquela cena dantesca, vendo o marido balançar aquelas gordurinhas a mais na cintura. O mesmo acontece com os três cães shitzus, que o encaram por pouco tempo antes de voltarem a dormir.

Ela se senta, passa a mão pela testa e pergunta novamente. Nos trinta anos de casamento, estava acostumada com os euforismos inusitados que seu parceiro demonstrava. E detestava aquela dança do bilisquete.

– Ficou doido de vez. Sair assim de repente? Nem fui ao salão?

– Vamos só ali no barzinho ouvir uma música e beber uma.

A mulher sabe que reclamar não adianta. Então, dirige-se ao banheiro e, quarenta minutos depois, surge linda em um vestido preto diante do marido, que tenta beijá-la sem sucesso.

– Acabei de passar batom. Deixe de bobagem.

Eles entram no carro e partem para o centro da cidade. O marido coloca uma música para criar um clima romântico. Ele gosta de ouvir música de velho e de gente morta, como dizem os mais novos. Ela não reclama e olha-se no espelhinho do parasol. As rugas a incomodam um pouco, mas entende que isso faz parte do envelhecimento.

– Que cidade parada! Não tem ninguém na rua – observa o marido. – Quando eu era jovem, era bem movimentado. Cadê todo mundo? Ninguém sai para dançar mais não?

Ao passarem pelo local onde antes ficava a casa de shows Hits, a mulher comenta:

– Eu me lembro daquela vinheta, meio chata: “Sexta na Hits… Discoteca sertaneja!”

Os dois riem por alguns segundos.  

– Você se lembra também daquela vez que brigamos e eu saí bebendo de bar em bar até desmaiar aqui? Só me lembro de ter acordado em casa sem saber como cheguei lá.

– Alguma biscate deve ter te levado. E para de falar disso… Não sei quantas vezes você já repetiu essa história. Parece um papagaio – responde a mulher, visivelmente irritada.

– Nossa, que azedume, hein? Coloca um sorriso neste rosto… tão lindo!

Eles não vão diretamente para o bar. A mulher deseja comprar um remédio para enxaqueca na praça central. Ao passar em frente ao Clube União, ele recorda a primeira discoteca que frequentou na juventude, durante os anos 90, onde passou vários sábados se divertindo na pista e flertando com as garotas. Circulando pela praça da matriz, outra memória surge: o bar Chichen-In, um local que quase fechava a rua nos domingos, fervilhando de gente jovem. Ele não menciona nada à mulher sobre esses dois lugares, lembrando que os pais dela eram muito rigorosos e raramente a deixavam sair, algo que ele descobriu quando começaram a namorar.

– Que escuridão e vazio nesta praça – diz a mulher, ao observar os moradores de rua acampados na grama, sem saber se sente pena ou raiva.

Após comprar o remédio, descem pela Rua Silva Jardim em direção à Avenida Jove Soares, o ponto de encontro da cidade. Enquanto esperam a passagem de outro carro, ele lembra que, naquele cruzamento, onde antes havia uma praça, ficava o bar Casa Velha. Era outro local que enchia de gente, mas ele só esteve lá duas vezes, ainda muito jovem quando ela funcionava.

Na Prainha, nome pelo qual a avenida é conhecida entre os moradores, encontram os bares lotados e sem vagas para estacionar. Avançam lentamente pelos inúmeros semáforos. Não pegam um sinal aberto.

A mulher, incapaz de se conter, comenta:

– Nossa, quanta gente nova e metida!

O marido contém o riso, optando por permanecer em silêncio. Mas ele também concorda.

Quando param em frente ao bar que costumavam frequentar, percebem que o local foi demolido. É nesse momento que o homem se dá conta:

– Puxa vida! Eu tinha esquecido… eles se mudaram para aquele bairro novo, atrás do Tropical. Que falha minha!

– Que surpresa, né, sambango? – responde ela, irônica. 

Após dizer isso, a mulher emburra de vez. Ele escapa do trânsito congestionado e acelera em direção ao bar. Ao chegarem, levam quase dez minutos para encontrar estacionamento e, na portaria, descobrem que o evento é privado e fechado ao público. Isso foi o limite para ela. A esposa caminha rapidamente em direção ao carro, enquanto ele insiste com o segurança para entrar.

“Como consegue andar tão rápido de salto alto?” ele se pergunta, tentando alcançá-la. No carro, o silêncio predomina, enquanto o esposo tamborila os dedos no volante.

– Que tal uma pizza ou hambúrguer? – ele sugere.

– Você está precisando emagrecer, homem!

Então, ele tem uma ideia, acaricia a coxa dela e pisca num olhar sedutor:

– E que tal um motel?

A mulher se vira para ele, afasta a mão atrevida contendo o riso, e pergunta descaradamente:

– E você trouxe o seu “azulzinho”?

Ele engole em seco, faz uma expressão vaga, hesitando por alguns segundos antes de responder:

– Bem, poderíamos passar em casa ou voltar à farmácia.

Ela revira os olhos e decide:

– Vamos embora, ainda dá tempo de terminar de assistir à novela. Em outra ocasião, nós saímos para “balada”.

Sem mostrar reação, o marido liga o carro e, automaticamente, o som se ativa, tocando “Stayin’ Alive” dos Bee Gees.

* Toni Ramos Gonçalves

Professor de História, Escritor, Editor, ex-presidente e um dos fundadores da Academia Itaunense de Letras – AILE. Graduando em Jornalismo.