Marco Antônio Machado: nós somos os pais, o Sesi, o padrasto do Teatro Vânia Campos

A luta agora é com aqueles que não querem que a casa de espetáculos seja tombada e reincorporada ao patrimônio da cidade

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Um dos principais articuladores da cultura itaunense, o teatrólogo e diretor Marco Antônio Machado Lara, é um dos nomes de maior destaque na criação do Teatro Vânia Campos nos anos de 1970/1980. Recentemente, durante um encontro de artistas com a deputada estadual Lohanna França (PV), foi levantada a possibilidade de articulação para que o teatro, hoje pertencente ao SESI, volte a ser administrado pela classe artística ou, que a Prefeitura reincorpore a casa de espetáculos ao seu patrimônio. O Teatro Vânia Campos foi construído pelo então prefeito Célio Soares de Oliveira no início dos anos de 1980 e inaugurado em 20 de setembro de 1981.

Marco Antônio falou ao Jornal S’PASSO sobre essa nova investida para trazer de volta o teatro para os artistas e lembrou a figura do ex-prefeito, ex-secretário municipal de Saúde e grande entusiasta da arte itaunense, responsável pela construção do prédio.

Dr. Célio é, para sempre, símbolo de itaunense decidido, trabalhador e honesto. Nascido e criado na Fazenda Calambau, foi ainda jovem para Belo Horizonte prosseguir seus estudos. Versátil, jogou voleibol com a seleção mineira e foi campeão de salto com vara no Campeonato do Colégio Arnaldo. Relembrava sempre com saudade sua brilhante performance como ator, quando protagonizou a montagem de “Fausto”, de Goethe, com o grupo de teatro do Colégio Arnaldo, que se manteve em cartaz com sucesso por longa temporada em Belo Horizonte.

Pioneiro no serviço de abastecimento d’água

   Por duas vezes prefeito de Itaúna, Dr. Célio deixou plantada sua marca e uma de suas obras mais importantes foi o abastecimento de água da cidade, que àquela época abastecia apenas cinco mil habitantes com poços artesianos. Ele instalou um sistema de manilhas, em um canal aberto em rochas, num percurso de cerca de cinco quilômetros, trazendo a água da barragem velha até a caixa d’água no alto do Rosário, um  dos  pontos mais altos da cidade, aumentado a capacidade de abastecimento para 150 mil habitantes.

A criação do Teatro Vânia Campos

   Outra obra do prefeito Célio Soares, que fez virar mais uma página da história das artes e da cultura em nossa cidade foi a construção do “Teatro Vânia Campos”. Preocupado com a falta de opção para os jovens, ele aglutinou o movimento cultural que surgia em Itaúna com a necessidade de se criar estrutura necessária para o desenvolvimento das artes em Itaúna. Foi ele quem disse a palavra mágica: “Fiat theatrum”, e o Teatro foi feito. E depois disto, Itaúna nunca mais foi a mesma. Ganhou uma casa de espetáculos que se tornou famosa em nosso Estado, porém, seguindo uma trajetória sinuosa.

Cada cidade tem o Teatro que merece

A frase acima ganha ainda mais sentido quando lembramos a história de um grupo de jovens artistas itaunenses que, em fins da década de 70, levantou a bandeira pacífica em prol da cultura, que culminou com a construção do tão sonhado teatro. Poucos teatros representam a luta de um povo, a luta de seus artistas, como é a história do Teatro Sesi Vânia Campos.

Homenagem à professora Vânia Campos

  A professora Vânia Campos, prematuramente falecida à época da inauguração do novo teatro, tornou-se, então, símbolo de um grupo de pessoas que contribuiu para a concretização daquele sonho. Não se pode deixar de citar nomes como dos professores José Gomes Miranda e Marco Elísio Chaves Coutinho, do escritor David Carvalho, Dr. Guaracy de Castro Nogueira, Dr. Affonso de Cerqueira Lima, do jornalista José Waldemar Teixeira de Melo e do teatrólogo Sérgio Mibielli.

  Estes são alguns dos muitos itaunenses que acreditaram no poder transformador da arte e da cultura e que contribuíram definitivamente para mudar o cenário cultural itaunense que apresentava sinais de letargia no início dos anos 70. Há que se lembrar, ainda, do esforço de Sílvio Márcio Bernardes que, no início da década de 90 assumiu com êxito o posto de agitador cultural e, junto com seu grupo “Corpo e Alma”, deu origem a um segmento importante da história do teatro em Itaúna, formando uma série de artistas que se profissionalizaram e hoje atuam bravamente na cena cultural da cidade.

Associação Cultural Amigos do TVC

   Com o surgimento da “Associação Cultural Amigos do Teatro Vânia Campos”, ACVC, houve uma nova arrancada rumo ao estabelecimento definitivo da importância da cultura no cotidiano da cidade. Várias montagens teatrais inesquecíveis passaram pelo “Vânia Campos”, vários grupos artísticos itaunenses nasceram e se consolidaram e diversos espetáculos de fora marcaram sua presença, trazendo para nosso convívio, artistas de várias partes de nosso país e de alguns outros países.

Grande transformação

De 2000 a 2013, a ACVC reformou e aparelhou o Teatro, que se encontrava em estado de semiabandono, com a utilização de verbas via Leis de Incentivo à Cultura. Foram instaladas varas de luz, troca do piso do palco, aquisição de equipamentos de som e luz, ar condicionado, troca do sistema elétrico, instaladas novas cortinas, rotunda, tapadeiras e ciclorama.

Grande produção artística nos palcos

De 2000 a 2013, período de vigência da parceria da ACVC com o Sesi, uma verdadeira política cultural foi desenvolvida pela Associação, com incentivo à produção artística local. Neste período, assistimos a estreia 73 espetáculos de grupos itaunenses: de 35 espetáculos teatrais, 28 novas apresentações musicais e 10 espetáculos de dança. Houve amplo incentivo da ACVC, que deu total condições aos grupos de montarem seus espetáculos, sem cobrança de aluguel, com horários de ensaios atendendo a demanda de cada grupo e de cada espetáculo. Sem falar de oficinas gratuitas direcionadas aos artistas itaunenses que contribuíram para o desenvolvimento artístico de cada trabalho. Tudo isto é comprovado com o clipping de atividades do teatro, que foi divulgado pela imprensa durante este período, que faz parte do acervo da ACVC.

Neste período, cerca de 260 espetáculos de fora foram apresentados no teatro Vânia Campos, incluindo apresentações de teatro, dança e música, com grupos importantes da cena artística mineira, grupos nacionais e algumas apresentações internacionais, como um grupo de teatro de bonecos da Holanda, um Coral mexicano e uma dançarina de Bali. Dos espetáculos nacionais, vale lembrar a apresentação de Adélia Prado com a Orquestra Sesiminas, Clube da Esquina, Marku Ribas, Maurício Tizumba, Paula Santoro, Cida Mendes, os espetáculos Kaf Kaf Kafka, O Homem da Cabeça de papelão, Tem dó Marlene, dentre tantos outros. Vários destes espetáculos se apresentaram mais de uma vez, somando centenas de apresentações de alto nível artístico, a maioria delas abertas ao público, sem cobrança de ingresso.

Um desafio

Assim, com esta estatística acima descrita, eu, Marco Antônio Lara, lanço um desafio ao Sesi para demonstrar e publicar através da imprensa, para que toda a cidade saiba, a estatística do que foi desenvolvido nestes 10 anos pelo Sistema Sesi/Fiemg, desde que foi desfeita a parceria com a ACVC. Isto precisa ser mostrado para a população itaunense.

Cobrança de aluguel inviabiliza produções

A atual cobrança de aluguel do Teatro Vânia Campos para os artistas itaunenses está tornando proibitiva o seu uso pelos artistas, que são os verdadeiros donos deste teatro.

Nós somos os pais, o Sesi, o padrasto

Nós, os artistas que ajudamos a criar este teatro e que depois ajudamos a salvá-lo, somos os verdadeiros pais deste teatro. Por esta ótica, o Sesi é o padrasto e queremos ver como este padrasto está cuidando da nossa cultura, já que este teatro, um bem público, foi graciosamente ofertado a esta entidade.

Tombamento do Vânia Campos

Em junho de 2020 eu, como artista e cidadão itaunense, entrei com pedido de tombamento do teatro, no Codempace. Na época, tive uma reunião virtual com dois representantes do Sesi, a Sara e uma senhora da Fiemg, de BH, e o Joe. As representantes do Sesi pouco falaram. O Joe falou por elas quase o tempo todo. Eles foram unânimes em dizer que não seria necessário o tombamento, pois o Sesi jamais iria descaracterizar o teatro e que iria facilitar o acesso do artista itaunente para usar o teatro, como por exemplo, cobrar apenas 10% da bilheteria para produções locais. Não é o que está acontecendo agora. Eu percebi que eles estavam me enrolando. O Joe, que era o presidente do Codempace na época me disse que, mesmo que a comissão aprovasse o tombamento, ele não assinaria o tombamento. Engraçadinho, né? Corajoso e audaz. Pra não dizer, louco.

É hora de retomar a solicitação de tombamento

Achei prudente aguardar um pouco, pois era o período em que o Sesi estava construindo a nova escola e tudo estava meio complicado. Acho que agora está na hora de retomar o pedido de tombamento. Creio que devemos envolver inclusive o Ministério Público. A importância sociocultural do Teatro Vânia Campos para Itaúna é inegável e a sua preservação para as gerações futuras é mais importante que qualquer coisa que o Sesi venha a alegar. Eu proponho uma reunião pública, no próprio teatro, na qual participarão autoridades, artistas, representantes do Sesi, da Prefeitura, especialistas em Patrimônio Histórico (IEPHA, IPHAN), Ministério Público e imprensa, para debatermos cara a cara, qual o sentido do tombamento do Teatro Vânia Campos. Quero ver com que cara os representantes do Sesi e o Joe vão dizer, diante de todos, em um momento histórico para nossa cultura, que o Teatro não precisa ser tombado.

O Teatro Vânia Campos é um bem público que deve ser preservado para sempre.