Valdeci Ferreira*
Acompanho as eleições há pelo menos 42 anos e sempre fui militante. Não nego minhas raízes pastoral da juventude, diretórios acadêmicos, sindicatos, comunidades eclesiais de base e pastorais sociais. Jamais deixei de votar porque sei que somente através do voto e da escolha consciente dos candidatos é que poderemos ver realizadas transformações que desejamos e queremos para nosso país.
O debate político sempre foi saudável e positivo, e eu o exercitei com afinco ao longo de décadas em salas de aula, nas comunidades, na empresa, com os amigos e com a família durante almoços nos finais de semana. Por vezes, eram discussões tensas e acaloradas, mas ao final tudo estava pacificado e, abraçados, combinávamos o próximo encontro.
Acredito piamente que esses debates contribuíram de modo muito simples e singelo para o avanço das políticas públicas e para o amadurecimento da nossa, ainda frágil, democracia. Contudo, os tempos agora são outros.
No último sábado, passei por uma avenida onde se encontravam ativistas e defensores de um postulante ao cargo de presidente com uma faixa que dizia:
“Se você apoia o …, aperte a buzina”.
Como eu não o apoiava, não disparei a buzina, e ainda cometi a insensatez de pronunciar o nome do candidato da minha escolha. E o fiz assim, ingenuamente, como sempre fazíamos no passado em situações semelhantes a essa, sem jamais causar qualquer problema.
Porém, de imediato, pelo menos três deles se viraram em minha direção e apontaram seus dedos em sinal de arma, como se quisessem me dizer: “Cala a boca senão eu te mato”.
Lamentavelmente é este o clima de ignorância, intolerância e violência que temos assistido em nosso país. Divisões entre amigos, entre colegas de fábrica e membros das igrejas, entre companheiros de escola e familiares.
Essa situação tem gerado um clima de apreensão, medo e silêncio do eleitor mais pobre e militante de esquerda e centro esquerda.
Medo de ir a comícios e ser atacado ao retornar para casa, medo de sair às ruas com sua bandeira e ser agredido, medo de pilotar seu veículo e ele ser arranhado ou apedrejado, medo de colocar uma faixa diante de sua residência e ver seu muro ser pichado ou sua vidraça quebrada. Medo de colocar um adesivo no peito e ser ridicularizado e medo de anunciar seu voto publicamente e ser demitido.
E assim, com tristeza e desalento, vejo os mais pobres e a militância esquerdista pela primeira vez silenciosa e oprimida. Sinal claro e evidente de que alguma coisa vai muito mal no arranjo de nossas instituições democráticas, a propósito, sob permanente ameaça do governante de plantão.
Portanto, o meu conselho é este: Já que o voto é secreto, no dia da eleição vamos dar o troco a quem está nos silenciando e impedindo nossa livre manifestação com suas ameaças, rifles e baionetas, votando com coragem, consciência e renovada esperança.
*Advogado e teólogo, fundador da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – Apac em Itaúna, é diretor do Ciema (Centro Integrado de Estudos do Método Apac), que preconiza um modelo de gestão humanizado para os presídios.
(Artigo publicado na “Folha de São Paulo”, de 26/9/2022)