O caso Mariana Ferrer na análise de uma jornalista itaunense

O Trabalho de Conclusão de Curso de Brígida Gonçalves tem como objeto de estudo uma pesquisa sobre este rumoroso processo envolvendo denúncia de estupro e de violência judiciária contra uma jovem em Santa Catarina

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O polêmico processo de estupro envolvendo a modelo e blogueira brasileira Mariana Ferrer e o empresário André de Camargos Aranha, que ganhou as mídias internacionais e trouxe à tona a discussão acerca da revitimização da mulher em muitos casos em que ela atendida sob várias denúncias de violência é o  tema  de um trabalho acadêmico do curso de jornalismo da Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG Divinópolis.

Conhecidas como “Caso Mariana Ferrer” as acusações de agressões sexuais, incluindo estupro, atribuídas ao empresário André de Camargo Aranha, que teriam sido praticadas contra Mariana Ferrer e, de acordo com os relatos da vítima, aconteceram em dezembro de 2018 no clube Café de La Musique, em Florianópolis, Santa Catarina. A vítima alegou ter sido drogada e por este motivo não tinha condições de consentir o ato sexual. André inicialmente afirmou nunca ter tido contato físico com a modelo, mas exames comprovaram que houve conjunção carnal (introdução completa ou incompleta do pênis na vagina), ruptura do hímen e foi encontrado sêmen de André nas roupas íntimas da vítima.

O empresário André de Camargo Aranha foi inocentado por falta de provas. De acordo com o juiz, “não há como condenar o acusado por crime de estupro, quando os depoimentos de todas as testemunhas e demais provas (periciais) contradizem a versão acusatória. Mariana recorreu da decisão, mas a absolvição de André foi confirmada, por unanimidade, na segunda instância.

Apesar do veredito desfavorável a Ferrer, a comoção gerada pelo caso resultou na criação da chamada “Lei Mariana Ferrer”, que visa a coibir a humilhação de vítimas e de testemunhas no decurso dos processos judiciais.

O Caso Mariana Ferrer foi o tema de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da jornalista itaunense Brígida Gonçalves, 22, formada pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). A jovem conversou com a reportagem do Jornal S’PASSO  e contou o que a motivou a escolher esse fato de grande repercussão da imprensa, do judiciário e da luta dos direitos da mulher, como objeto de pesquisa. 

BRÍGIDA GONÇALVES

Dedicação a temas afins desde o início

Desde sempre me interesso pelas pautas sociais, principalmente sobre gênero e raça. E, durante a minha graduação, me dediquei, individualmente, nos estudos sobre isso, através de cursos, oficinas e leituras relacionadas ao feminismo e assuntos que tratam dessas questões. Escolher o tema do TCC não é algo fácil pois é algo que deve estar conectado à sua área, mas, eu acredito que principalmente à pessoa que você é e o profissional que quer se tornar. Então, no início dessa etapa, já estabeleci que queria tratar de algo que relacionasse as lutas e movimentos das mulheres e o trabalho jornalístico.

A dupla violência contra Mariana Ferrer

 O caso da Mariana Ferrer, que foi violentada por um estuprador, logo em seguida pelo judiciário e também pela mídia foi algo bem chocante. Todas as mulheres que acompanharam esse caso sentiram a dor da vítima, assim como em todos os casos que são expostos todos os dias. A partir disso quis identificar como a mídia tradicional tratou do caso após a cobertura realizada pelo The Intercept, identificando se houve a perpetuação de estereótipos e se gerou uma revitimização como aconteceu com o julgamento da vítima, que foi julgada e humilhada mesmo após sofrer a violência.

O papel do jornalismo tradicional

O que me motivou, principalmente, além dos interesses acadêmicos de investigação, foi entender como tem sido a cobertura de casos de violência no jornalismo tradicional brasileiro e refletir que tipo de profissional quero ser. Eu acredito que o jornalismo pode auxiliar no combate às diversas violências contra as mulheres quando é feito de forma ética, plural e com o propósito de ser agente da democracia.

Questionar o que é mostrado e lutar por um jornalismo ético e plural

Diferente do que o senso comum acredita, o jornalismo não é e nunca será imparcial. Por isso, enquanto parte da sociedade, mulher, jovem e, agora, jornalista, devo questionar como o discurso dominante alimenta essa sociedade que violenta as minorias, sendo as mulheres, os negros, periféricos, indígenas, LGBTQIA+ e demais diversidades. Acredito que o envolvimento com esse tema, que atravessa a vida de milhares de pessoas, é importante justamente para modificar a realidade, visto que a mídia trabalha na construção do imaginário. Então, por exemplo, quando há uma cobertura ética, plural, interseccionista, uma mulher que tem acesso ao texto poderá identificar situações parecidas e refletir sobre o que está acontecendo com ela ou com alguém próximo ou homens e mulheres que não entendem nada sobre a questão da violência poderão deixar de lado seus estereótipos e pensamentos sem fundamento algum, ajudando a diminuir o machismo e a misoginia, entre outros.

André inicialmente afirmou nunca ter tido contato físico com a modelo, mas exames comprovaram que houve conjunção carnal, ruptura do hímen e foi encontrado sêmen de André nas roupas íntimas da vítima.

As matérias jornalísticas, em sua maioria, não mostram a violência contra a mulher

Resumindo os resultados, percebi que a cobertura jornalística do caso Mari Ferrer, na região Sul, que foi onde aconteceu o crime, foi bastante superficial. Foram muitas matérias analisadas e, em sua maioria, elas não trouxeram a discussão da violência contra a mulher e da questão da revitimização; não falaram sobre os mecanismos de denúncia; não trouxeram mulheres especialistas para tratar da pauta.

Mais exposição desnecessária da vítima

Agora, um fato muito importante que mereceu destaque nesse trabalho foi uma exposição desnecessária e insistente da vítima e um silenciamento do homem abusador. Posso dizer que ou as matérias deram destaque à posição social do agressor, como “o empresário”, ou elas sequer citaram o seu nome. Enquanto isso, o nome da vítima foi colocado em destaque diversas vezes e as suas fotos, que nem relação com o caso de estupro tem, assim como foi feito no julgamento, colocados em destaque e em exposição.

Vítima em três situações

De forma geral a cobertura realizada apenas expôs a vítima e a sua violência, colocando-a, pela terceira vez, em situação de violência. Primeiro pelo abusador, segundo pelo judiciário e terceiro pela mídia.

Continuar os estudos nessa área

Pretendo continuar, sim, os meus estudos dentro dessa área e de muitas outras que envolvem a comunicação e questões sociais. Futuramente quero fazer algumas pós em que posa pesquisar sobre essas questões e também através de outros estudos individuais e participação em grupos.