Sílvio Bernardes
A gente pintava a cara com grafite em pó, que além de escurecer a pele, dava um brilho sutil e nos deixava irreconhecíveis. E a gente aprontava misérias. Desde que saíamos o portão de casa batíamos na lata e cantávamos pelas ruas, como doidos varridos: “Farrapos! Farrapos! Sarrafo! Sarrafo!”. Éramos integrantes da revolução farroupilha… mentira. Quando muito, éramos uns arremedos de foliões do bloco caricato “Farrapos da Lagoinha”, também chamado de “Bloco dos Molambos”. Era o carnaval de Itaúna nos anos de 1960 e 1970. Nós, moleques engraxates da praça da matriz, encardidos como era de se conhecer, não precisávamos de muito para integrar aquela corriola de gente esmolambada, ao lado de pessoas que envergavam fantasias engraçadas, exóticas e de grande contexto crítico para a época: as epidemias de doenças, o custo de vida pela hoa da morte, a alta das tarifas de luz e água, o problema do transporte público, as ruas em petição de miséria, a falta d’água e de habitação etc. Os ‘Farrapos’ se reuniam ali pela Praça da Lagoinha e subia a rua Antônio de Matos até a Praça da Matriz, onde havia o grande espetáculo do carnaval de rua. Ainda me lembro de algumas figuras desses cordões do passado: o Grilo da Lagoinha, o Landinho do Orlando Faria, o Mampu, a Ladomila Preta, a Purina e “seu” Zé, o Dr. Pery Tupinambás e o Dr. Arthur Marques, o Anésio da Estação, o Dario Barbeiro, o Mineirinho, o Buzina, o Geraldo Escovão, o Heli da Rua São Vicente… Depois viriam o Almir Sapateiro e sua eterna ‘Miss Itaúna’ e o Newton Regal com o bloco do ‘Eu Sozinho’. Não sei quando acabou o bloco dos Farrapos, mas sei que foi numa sexta-feira de carnaval que o Adelino Pereira Quadros, filho, botou na rua a “Banda Suja” e tentou trazer novamente à avenida os foliões caricatos e os tipos da crítica social do momento.
E havia muito homem vestido de mulher e algumas mulheres vestidas de homem. As velhas marchinhas dos antigos carnavais do Rio de Janeiro tomavam conta do desfile da Banda Suja sob aplausos e gritos frenéticos dos que assistiam – muitos dos quais morrendo de vontade de estar no meio daquele furdunço. No meio do bloco os foliões mostravam que ali havia uma alegria contagiante, além da cachaça, da cerveja, da maconha (disfarçada), do odor impregnado de lança-perfume e cheirinho-da-loló (igualmente escondidos).
Os “Farrapos da Lagoinha” influenciaram a chegada da “Banda Suja”, a “Banda Suja”, já cansada, chamou à avenida o “Pau de Gaiola”, o “Babaloo”, o “Pomba Rolla”, o “Xavaca”, o “Atolô a Charrete” e, até, o “Esplendor e Glória”, para dar continuidade à irreverência e a crítica social.
Era assim a folia de Momo noutros carnavais da cidade. Tempo de amarrar cachorro com linguiça e das conversas pra boi dormir.