Recentemente o Jornal S’PASSO trouxe reportagem sobre a decisão do juiz Adelmo Bragança de Queiroz, da Comarca de Itaúna, de por fim ao regime semiaberto externo da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, em razão de problemas estruturais da entidade. Também em edição recente, o Jornal falou dos problemas decorrentes da morosidade para o projeto da construção da APAC juvenil na cidade, que há anos permanece em compasso de espera, sem um sinal de quando poderá ser concretizado.
A APAC de Itaúna, pioneira em Minas Gerais, nasceu de um projeto de 1972 da cidade de São José dos Campos e, foi neste município paulista, no presídio Humaitá, que um grupo de voluntários cristãos, sob a liderança do advogado e jornalista Mário Ottoboni, materializou esse modelo de sistema prisional totalmente novo, que tinha a ideia de evangelizar e dar apoio moral aos presos. A vontade de atuar para minimizar os efeitos do mundo do crime, das drogas e das prisões, proporcionou a criação de uma experiência revolucionária com a sigla que significa Amando o Próximo Amarás a Cristo.
Em Itaúna, a APAC masculina, foi construída nos anos de 1980, através da Pastoral Carcerária da Paróquia de Sant’Anna. Depois da criação da Unidade masculina, vieram a APAC feminina e um projeto que nunca saiu do papel de uma unidade prisional para os jovens.
Desde a sua criação, a APAC tem sido referência para outras cidades, até mesmo fora do país, a despeito das críticas e dos constantes combates de algumas autoridades ao método de presídio sem guardas e com melhores condições para minimizar a situação carcerária e o cumprimento das penas.
No final do ano passado o juiz da Vara Criminal de Execuções Penais da Comarca de Itaúna, Adelmo Bragança de Queiroz, determinou a extinção do regime semiaberto externo da APAC masculina e decidiu que os recuperandos cumprissem as penas em prisão domiciliar.
Dentre as justificativas alegadas para a decisão o fato de que o prédio da APAC masculina, construído na metade da década de 1980, apresenta problemas estruturais sérios, com infiltração em alguns cômodos, além de instalações estruturais elétricas, hidráulicas e sanitárias em estado precário. Foram denunciados problemas de infiltração no teto e paredes, mofo, falta de circulação de ar e risco de incêndio, sem que haja sistema de proteção para esse tipo de problema. Além disso, o próprio sistema tem se mostrado falho com possibilidades de inserção de drogas, aparelhos celulares e a facilidade do contato entre os recuperandos e o público externo.
A notícia repercutiu em toda região trazendo à tona novas discussões sobre a metodologia da APAC e sua eficácia na recuperação dos condenados em crimes diversos. O Jornal S’PASSO ouviu essa semana o presidente da instituição, o advogado Peter Gabriel Gonçalves Andrade, que revela a situação da entidade e o que levou o juiz da Vara Criminal de Execuções Penais da Comarca de Itaúna a tomar essas medidas de suspensão do regime semiaberto externo.
Para o dirigente da APAC, a decisão do magistrado foi tomada depois de muitos estudos e reflexões, e em comum acordo com a atual diretoria. “A medida foi pensada durante meses a fim de que fossem preservados os ditames legais, às necessidades da entidade e a manutenção da segurança pública da cidade, para que nenhum recuperando que não estivesse apto para o convívio social fosse colocado em liberdade, não havendo motivos para uma insurgência da APAC masculina contra a bem articulada decisão proferida”, revela Peter Gabriel.
Crise financeira desde 2015
De acordo com o advogado, a diretoria atual assumiu um trabalho iniciado pelo presidente anterior, Bruno Parreiras, que encontrou a instituição em grave crise financeira iniciada em meados de 2015. “Para se ter uma ideia, foram quitados, conforme consta da decisão judicial, mais de um milhão e meio de reais em dívidas. Agora podemos dizer que até o final desse ano todas as pendências estarão equacionadas graças a um choque de gestão implantado”, promete.
Novos projetos sendo implantados
Segundo o dirigente, aliados à modificação de metodologias de gestão, foram reformados o complexo administrativo, o setor educacional com salas de aulas e laboratório de informática, criação de novas oficinas profissionalizantes, além de outras melhorias e adequações previstas para os próximos meses.
Recursos para funcionar
A reportagem questionou como a APAC sobrevive financeiramente hoje e quais são os recursos disponibilizados. Peter explica que além de um convênio com o Estado, que garante recursos financeiros para a manutenção da maior parte do custeio da instituição, ela também recebe doações diversas, através de parcerias e de recursos advindos dos produtos produzidos nas oficinas internas, como na fábrica de blocos, de churrasqueiras pré-moldadas, de tijolos ecológicos, produção de hóstias, padaria, marcenaria, horta, horto de mudas e oficina de paletes. Há também parcerias com empresas locais, nas quais os recuperandos estão inseridos em inúmeras atividades. “Enquanto um preso convencional custa em média R$ 3.500 mensais para os cofres públicos, na APAC o custo per capita do recuperando não ultrapassa R$ 1.300 por mês”, pontua.
Condições de segurança e o regime semiaberto
O Jornal S’PASSO recebeu denúncias de familiares de recuperandos de que a APAC seria um lugar vulnerável do ponto de vista da segurança, ou seja, um “barril de pólvora”, com base em comprovada interferência externa, depois de alguns eventos negativos que ocorreram ali, como a inserção de drogas, álcool e aparelhos celulares. Também é apontado o aumento de reincidência de condenados que utilizam os benefícios do regime semiaberto externo, contrariando o ‘Método APAC’ e sua proposta ressocializadora. Outro fato que não pode ser descartado foi o tiroteio que ocorreu recentemente na porta da instituição.
Sobre a questão da segurança, o presidente da entidade afirma que é, via de regra, bastante adequada e atende tanto aos requisitos da metodologia quanto aqueles exigidos pelo Poder Judiciário. “As vulnerabilidades eventualmente apontadas poderiam ser atribuídas ao extinto regime semiaberto com direito ao trabalho externo e, justamente por atenção a esses fatos. A necessidade de melhorias estruturais daquele setor, bem como de uma evolução do posicionamento jurisprudencial na Comarca, é que a decisão foi tomada pelo Poder Judiciário”, esclarece.
Presos liberados já estavam em convivência social
O diretor da unidade salienta ainda que todos os recuperandos liberados no final de dezembro, depois da suspensão do regime semiaberto, já se achavam em franco convívio social e passaram por avaliação de uma comissão técnica de classificação que os considerou aptos para a ressocialização. “Deve-se registrar também que o regime semiaberto continua a ser empregado na Apac Masculina e somente aqueles que apresentarem proposta idônea de trabalho externo é que serão contemplados com a prisão domiciliar e passarão por rigoroso processo de fiscalização do cumprimento das condições estabelecidas pelo magistrado, sob pena de revogação imediata do benefício. O mesmo procedimento já ocorre em grande parte das comarcas vizinhas que adotaram medidas semelhantes àquelas decididas em Itaúna”, afirma.
De referência a decadência?
A APAC masculina de Itaúna em seus ‘anos dourados’, na década de 1980, foi referência para todas as APACs do país, e há quem diga que hoje vive um período de decadência e, até um pouco de descrédito. O presidente da unidade foi questionado a que ou a quem a diretoria atribui os problemas relatados por familiares e pelo próprio juiz na sentença do dia 14 de dezembro. Peter afirma que qualquer ideia de decadência atribuída a APAC de Itaúna, se algum dia existiu, deve ser vista como “algo raro, momentâneo e que já faz parte de um passado infeliz, onde a instituição sofreu com atrasos nos repasses de recursos, dificuldades enfrentadas por gestões anteriores, atreladas à pandemia e que foram fundamentais para uma crise financeira “que, conforme já foi dito, nos parece superadas em grande parte”.
Problemas estruturais do país
Ainda sobre o problema apontado e que gerou a decisão judicial sobre a instituição, o dirigente da APAC esclarece que os problemas são provenientes do aumento da criminalidade em todo o país e, também, a mudança considerável do perfil do recuperando. “Tudo isso gera necessidade de adequações gerenciais, profissionalização dos colaboradores, da gestão e da constante reformulação da estrutura predial, apoio da comunidade e do Estado. São todos esses elementos que nossa diretoria e o corpo de funcionários, aliados ao Juiz de Direito da Comarca, estamos buscando implementar”, explica.
Reforma e projetos
No próprio parecer, o Juiz, afirma que o retorno do sistema de prisão semiaberta externa poderá acontecer na entidade a partir de mudanças estruturais da instituição e depois de reforma do prédio. Sobre a reforma da unidade, o presidente afirma que “existem projetos de realização de ampla reforma na APAC Masculina e a busca por uma nova sede da APAC Feminina. Do ponto de vista estrutural, nosso compromisso é deixar a instituição pronta para atender às necessidades e anseios tanto da comunidade, quanto da Justiça itaunense”, conclui.