QUE HISTÓRIA É ESSA?

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Sílvio Bernardes

smabernardes@hotmail.com

Negócio de menino

Quando eu cheguei lá em casa montado naquele camelo velho, meio enferrujado e que fazia um barulho esquisito no movimento da roda dianteira, a mãe olhou com um olhar desconsolado – mistura de curiosidade e indignação. “O que significa isso?”, perguntou de chofre. “Uai, uma bicicleta”, respondi tímida e receosamente. “Eu sei que é uma biscreta. Quero saber de quem é isso? Onde é que ocê arranjou essa biscreta?”, tornou ela. “Ah, eu panhei de um colega, o Tico, fio da Do Carmo, lá da Laje. Foi assim, eu troquei numa manivela e um papagaio e dei de volta um muncadinho de dinheiro, coisa pouca mesmo”, contei, já prevendo uma saraivada de impropérios. “Pois, então, ocê vai lá na casa da Do Carmo, na Laje, na casa do cacha prego, no raio que o parta, devolver esse caco véio de biscreta. Eu vou dar um pulo ali na venda e quando voltar não quero mais ver esse trem aqui não”, concluiu com firmeza.

Quando a mãe saiu, pude olhar melhor aquilo que eu chamei de bicicleta. As cores da magrela eram uma mistura de marrom, com cinza e azul – azul claro. Na verdade, o quadro era marrom, o garfo dianteiro azul, a garupeira era cinza. E havia umas partes meio enferrujadas, como o aro da roda traseira e os raios. Mas, o Tico, filho da Do Carmo, o negociador da magrela, me garantiu que com “umas limpadas com Bombril e sabão” a ferrugem sairia todinha. As borrachas de freio estavam em petição de miséria. “Isso é baratinho, sô”, garantiu ele. “Mas, o selim está todo rasgado”, fui eu quem reclamou. “Meu fio, isso é só ocê comprar uma capa bacana, lá na “Casa das Biscretas do Boró’, e colocar aí que nem aparece”.

 – Mas, vem cá ô Tico, a biscreta só tá com um pedal. E mesmo assim, quebrado.

– Mmmm

– Não tem nenhum dos para-lama, sô!

– Pra que para-lama? Se perder o freio, cê pode por o pé assim ó, na roda. Para-lama é coisa de gente véia.

– As rodeiras… é assim mesmo?

– Como assim?

– Os pneus carecas? Lisinhos que nem a cabeça do Kojak?

– Ah, meu Deus! Cê quer ou não quer fazer negócio no camelo?

Quis. Com todos os defeitos vistos e ainda não reparados, eu quis. E levei para casa, empurrando, aquele arremedo de bicicleta.  Mas, fui salvo pela mãe, zelosa com os filhos e repleta de bom senso para toda a família.

Empurrar de volta a bicicleta foi difícil. Menino tem umas coisas quando se trata de desfazer um negócio. Cancelar uma compra grande, enfim. “O filhinho da mamãe é um medroso. O bebezinho não pode tomar uma decisão sozinho. Não tem palavra”, zoou o Tico antes de desfazer o negócio. A destroca demorou um bocado e um colosso de nhem nhem nhem. Recebi de volta uma parte do dinheiro empenhado e a manivela, mas não vi mais o papagaio de rabiola. Mas, foi até bom… não panhei o camelo do Tico e também não apanhei da mãe. Aliás, como eu já contei proceis, a mãe até prometeu que quando puder, vai me dar uma bicicleta de verdade, novinha em folha, com duas rodas, guidão, freios, buzina e até farol de dínamo.

Ah, depois do negócio malsucedido, ouvi o Tico gritando de dentro da sua casa: “eh bicicreta véia sem freio!”. E eu juro que sorri aliviado.

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