QUE HISTÓRIA É ESSA

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Nessa toada…

Sílvio Bernardes

Dando uns bordejos na feira de hortifrúti de Santa Cecília, em São Paulo, num domingo de manhã, fico observando o povo vendendo, o povo comprando – e pechinchando –, o povo reclamando, o povo comendo (ah, os pastéis da feira!), o povo (como eu), só espiando, assuntando. A chuva de janeiro deu uma trégua e o povo se ajunta na feira. Também na famosa – e muvucada – Rua 25 de Março, ainda em Sampa, os vendedores loquazes apregoam seus produtos num esgoelar apropriado. É a mais pura representação da Ação Social de que falou Max Weber em seus estudos.  Na feira de hortifrúti do Santa Cecília chama-me atenção, especialmente, o vozerio dos comerciantes de legumes e verduras anunciando suas mercadorias em sons intermináveis. “5 é 10!”; “5 pacote é 10!”; “olha o alho!”; “olha o ovo!”; “olha a uva!”; “ovo e uva boa!. Ovo e uva fresca. Ovo e uva doce!”. Na 25 de Março lojistas também gritam suas ofertas numa confusão de sons: “o relógio que tava 100, tá saindo por 40. Quarenta! Só quarenta!”; “Anéis, colares, pulseiras, braceletes. Brilhos e preços! Aproveitem!”; “Sapatos, tênis, rasteirinhas…”.

Fico pensando na minha cidade e nos sons que vinham da rua no tempo de eu menino, a começar pelo chamado da mãe, longe, inconsútil, interminável: “Toímmmm! Cadê ocê! Vem tomá banho para ir pra escola! Ô Toímmm”… “Isabela, sua magricela! Ô Isabela! Vem cumê, menina!”. O povo gritava na rua chamando os vizinhos: “Ô de casa!” E junto com os gritos vinham as palmas. Naqueles tempos não havia muitas casas com campainha, aliás, quase não havia casas com muros na frente, quando muito umas muretas, pequetitas que serviam, até, de banco. Interfone? Nem pensar. E o povo gritava na calçada e já ia entrando “porque a porta da rua é a serventia da casa”.

E o povo gritava nas ruas toda uma infinidade de coisas. “Puliça. Óia a Rapa! Foge, doido!”. E era um colosso de vendedores, o dia inteirinho. De peixes, de laranja, de melancia, de galinhas, de pão, de abacaxi, de pamonha, de pintinhos amarelinhos – em caixas de papelão com uns furinhos nas extremidades – coitadinhos. E os palhaços de circo em pernas de pau gigantes, que gritavam em megafones afônicos: “hoje tem marmelada, hoje tem goiabada… e o palhaço o que é? É ladrão de muié!”.  Já os meninos descalços vendendo picolé berravam pelas ruas: “Oh o picolé! Óia o Eskimone!”. O Mineirinho e o Naningo Neto rodavam pela cidade com seus carros de som, lentos e enfumaçados. Em cima do jipe Rochedo e do DKV Leguedê as cornetas roucas  davam o tom das propagandas volantes que vendiam de tudo, desde os artigos das lojas de armarinho, até as candidaturas dos políticos da ocasião.

A cidade era tranquila, devagar, preguiçosa, fizesse sol, fizesse chuva. Os sons das ruas não tiravam o sossego das tardes da nossa meninice. Aliás, essa sonoridade fazia parte do ambiente da pequenina cidade, compunha bem o cenário deste lugar, que ainda contava, religiosamente, com o indefectível apito do relógio da fábrica da companhia de tecidos.

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