QUE HISTÓRIA É ESSA?

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Sílvio Bernardes

A parte baixa da Praça da Matriz

Já escrevi aqui nessas páginas acerca da praça da matriz, mas agora quero reportar-me somente à sua parte baixa, uma alameda de poucas árvores, com a qual convivi em diversos momentos da minha infância. Era a parte mais movimentada, tirando, é claro, o espaço da igreja e o seu entorno. Naquele quarteirão onde eu trabalhava como engraxate e, depois, como baleiro do Cine Rex, havia uma infinidade de coisas que hoje constitui apenas em reminiscências de nós que já nos encontramos ‘dobrando a serra’.

Ao virar a rua Capitão Vicente, o cidadão encontrava-se com o Automóvel Clube, onde aconteciam as melhores batalhas de carnaval, as matinês dos meus dias de meninice e onde as mocinhas realizavam seus bailes de debutantes – com tanto “glamour” e “aplomb”. Era o clube da família. Da boa família de minha terra. Embaixo do clube se instalava o restaurante Automóvel clube, lugar onde o povo importante se abastecia de boa comida e de bebidas alcóolicas. Ali, dizem, um homem, no auge de sua dor solitária, tomou guaraná com formicida e despediu-se da vida em silêncio. Talvez a vitrola tocasse uma canção melancólica tão apropriada da época, talvez a noite estivesse fria, talvez o bar estivesse vazio e os garçons distraídos. Junto do restaurante havia a Casa Ferreira, loja em que se vendia de tudo para as pessoas se vestirem e andarem com elegância. O moço do rádio até dizia que lá tinha “sapato para homem de bico fino, sapato para muié de duas cor, sapato para menino de correinha”. Tinha, mas acabou.

A rodoviária de Itaúna funcionava nesta parte da praça da matriz. Um comodozinho simples, com um guichê e um banco de madeira, onde a gente comprava passagem para “Belorzonte”. Lá mais adiante ficava um outro ponto de venda de passagens (e parada de ônibus) de Divinópolis e Pará de Minas. E tinha por ali também o Banco do Brasil e o Banco Mercantil do Brasil, depois vieram o Bemge e a Minas Caixa.

Naquela alameda pontificavam o Cine Rex e toda sua atmosfera de arte e dos encontros de amigos e de corações enamorados. Naquele ambiente, com certeza, se misturavam a genialidade dos que faziam a sétima arte com a emotividade dos primeiros beijos de amor entre os casais, mais a reafirmação de camaradagem entre os parceiros. Ao lado do cinema estava o lendário reduto da boemia, o Bar Azul, e espremido entre os dois, um botequim simpático denominado Buraco do Tatu.  E numa ocasião, naquele lugar e em plena luz do dia, um homem foi morto a tiros por um outro. Foi um crime passional – por causa de mulher. O sujeito armado atirou à queima-roupa e o outro, atingido, caminhou cambaleante antes de tombar num canteiro ao lado de um frondoso cipreste, bem em frente ao Cine Rex. Na tabuleta do cinematógrafo estava escrito o filme do dia (ou da noite): “Matar ou Morrer”, com Gary Cooper, Grace Kelly e Lee Van Cleef.

Quem por ali passava se encontrava ainda com o Bar do Miranda – chamado de Barril – e com a famosa Chopita, com alguns salões de barbeiro e com o restaurante Rodoviário, onde a comida cheirava ao longe nos convidando o tempo todo a experimentar pratos vários. 

Andar por ali à noite – especialmente à noite – era uma agradável aventura. Um passeio repleto de arte e magia. Tudo podia acontecer: um encontro programado (ou inesperado) ou um convite para experiências jamais vivenciadas. Em tantas opções e oportunidades as pessoas se relacionavam, se viam e eram vistas. Havia encontros e desencontros, chegadas e partidas. Emoções de quem vem, lágrimas de quem vai. Acenos de “insigne partinte” e  abraços de “insigne ficante”.

Aquela alameda na praça da matriz era o caminho que os homens grandes tomavam – depois de tomar algumas e outras nos balcões do lugar – rumo ao alto: à zona boêmia, ou do baixo meretrício, a nossa histórica Coréia.

Bar Azul/ Cine Rex