Que história é essa?

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Sílvio Bernardes
smabernardes@hotmail.com

Chamado de mãe

A voz da mãe chamava o menino – para comer, para tomar banho, para ir para a escola, para ir ao mercadinho comprar uma mistura, essas coisas. A voz da mãe interrompia brincadeiras, uma história interessante ou alguma arte de endiabrados moleques. A voz da mãe não podia se fazer esperar. A voz da mãe ecoava por todo o quarteirão e os vizinhos davam conta de que também outra mãe deveria gritar por seu filho que estava na rua. A mãe chamava o menino pelo seu nome de batismo – ou, pelo menos, o nome que ela entendia como sendo o de batismo – e não pelo apelido que toda a molecada conhecia. A exceção ficava por conta de uma vizinha que eu tive e que gritava “Zezééééééééééééééééé” o dia inteiro. Meu Deus, levei um tempo para descobrir que o Zezé que ela chamava era, na verdade, uma menina – “menina muié” – cujo nome de batismo era Maria José.

Por certo, em casa, a mãe da Zezé raiava com a mocinha que andava na rua  com  os moleques  da nossa corriola:  “ô menina rueira, sô! Não para em casa, parece que comeu canela de cachorro”. E talvez acrescentasse: “Zezé, Zezé, toma tento, eu ainda te pego, moleca de rua!”

Era sempre a mãe que chamava as crianças para casa. Algumas vezes a mãe, incomodada demais com aquele chamamento que não era atendido, mandava alguém próximo buscar o “desinfeliz” com uma recomendação peremptória, entre os dentes: “fala pra aquele excomungado que se ele não chegar aqui em cinco minutos, eu acabo com a raça dele, arranco o couro dele”. Minha mãe não era de gritar filhos ao longe, preferia solicitar “gentilmente” que um irmão fosse atrás e o trouxesse. É claro que o irmão, sempre com aquele jeitinho peculiar dos irmãos que muito se amam, cumpria com o dever e acrescentava algumas informações bastante relevantes para preparar o moleque quando pisasse os umbrais do sacrossanto lar: “menino do céu, cê tá ferrado, a mãe vai te matar, pode ir preparando o lombo porque a vara de marmelo está prontinha”. Não tenho muita certeza, mas esse irmão querido – que muitas vezes inventava essas informações – falava tudo isso com um contentamento fora do comum. Havia um riso discreto na sua cara lisa.

Como eu falei, a mãe não era de gritar para a vizinhança o filho (da mãe)  na rua. Preferia gestos sutis que prometiam uma boa sova  ou, quando a mão alcançasse, beliscões de aviso. Esses, eram uma espécie de aperitivo para o que viria depois, com a participação de instrumentos bem conhecidos: cinto de couro,  vara de marmelo, chinelo de borracha… Entre quatro paredes, ela nos chamava para as recomendações necessárias, as solicitações de serviços em casa ou na rua, ou para tomar as surras, as exclusivas ou as coletivas. 

Bença, Dona Luzia! Perdão, bença, mãe! Nos encontraremos por aí. Te amo eternamente!