“Bye, bye Brasil/ a última ficha caiu.” (CHICO BUARQUE)
Não sei quando foi que a ficha caiu. Aliás, nem sei se efetivamente a ficha caiu. A expressão cair a ficha ainda frequenta as conversas de algumas pessoas – com um pouco mais de idade –, mas já não tem a mesma significação de outrora. Hoje, pode-se dizer que a expressão significa cair na real. Naqueles tempos, a ficha caía quando a gente entabulava uma conversa via telefone público, o popular orelhão. A ficha de telefone era uma rodelinha de metal do tamanho de uma moeda de pouco valor. No meio dela estava escrito Local. Algumas traziam o nome da telefônica impresso, que podia ser Telemig, Telerj, Telesp… Tanto no Rio de Janeiro, como em São Paulo ou aqui em Minas Gerais a ficha caía para a conversa dos orelhões de ruas. Nas cidades turísticas, as companhias telefônicas inventaram de criar orelhões diferentes – muito mais criativos que grandes orelhas –, com motivos apropriados para o ambiente e o lugar. Nas cidades praieiras, por exemplo, as cabines telefônicas imitavam coqueiros, pranchas de surf ou frutos do mar. Porém, as fichas não se modificaram. Elas eram sempre as mesmas rodelinhas de metal, para os orelhões tradicionais ou para os mais artísticos. Não me lembro quando foi a última vez que fiz uma ligação telefônica via orelhão. O tempo passou e o tuim-tuim-tuim-tuim daqueles aparelhos ficou na memória de um tempo (talvez) mais bem vivido. Alguma coisa que poderia ter sido e que não foi. A gente não tinha telefone em casa. Usávamos os orelhões para os compromissos sérios (sic), as paqueras – verdadeiras ou fantasiosas, paixões platônicas, quem sabe – e para os famosos trotes, que nos divertiam pra caramba.
A modernidade dos tempos de aparelhos celulares – a tão falada telefonia móvel – aposentou a ficha e deixou no vácuo a expressão cair a ficha. Os orelhões, à guisa de uma enorme boca que queria falar e ser ouvida, ainda experimentaram o cartão telefônico, que imitava um cartão de crédito bancário e trazia imagens bonitas e mensagens de datas comemorativas. Mas, sua existência não foi muito longa e a sua presença não figurou nas expressões verbais de nossa gente. Outras expressões da nossa língua portuguesa também ficaram para trás e somente passeiam (ocasionalmente) por nossa memória, já que não fazem mais sentido na atualidade. Hoje em dia já não caem mais somente as fichas de telefone. Também não caem – nem sobem – as fichas dos ônibus urbanos (de plástico colorido), as das radiolas dos salões do baixo meretrício e das gafieiras, da merenda no Grupo Escolar e as dos jogos de totó nos botecos da minha infância. E as das mesas de pôquer e do truco de apostas robustas, será que ainda existem?
Antes da ficha (de telefone) cair definitivamente, vieram ao chão muitos orelhões das ruas das cidades, vítimas da ação de vândalos que protestavam contra as conversas telefônicas. Alô! Quem fala?