Sílvio Bernardes
Naquele trecho da Rua Gonçalves da Guia, conhecido como Rua da Zona ou Rua da Coréia, compreendido entre as primeiras subidas da parte mais íngreme – próximo da Praça do Capeta – até o Cantinho do Céu – ao lado da Capela do Rosário – não existiam somente as casas das meretrizes e o comércio que delas se serviam. Era famosa a Rua da Coreia por causa dos lendários Cici, Jane, Zizi, Nem, Raimundo dos Zoio Azul, Ção, Tereza, Neuzinha, João da Maria Magra, Preta, Cidinha, Derli e Cacilda do Cantinho do Céu… Havia também muitas famílias que ali se instalaram e viveram por muito tempo nessa rua, mas que passavam ao largo da zona boêmia, como o povo do Nero da Delegacia, da Dona Elisa Soares, do Almir Sapateiro, da Dona Cota do Antóim Carrinho, do Miguel do Juza, da Dona Lurdes do Sô Tunico, do Manel da Alzira e mais um colosso de gente. Um desses povos, certa feita, colocou uma placa no seu portão, depois ser incomodado inúmeras vezes por umas pessoas que andavam atrás de muié: “Essa residência é familiar”.
No pé da Rua da Zona havia o armazém do Miguel do Juza, a vendinha do Zé Como-Vai – comandada pelo Sô Chico – e o Bar Borba Gato, do Rossini. E naquelas imediações eram famosos outros pontos comerciais, como o mercadinho da Lica Côca, o armazém do Geraldo Criolando, a sapataria do Ivolino, o açougue do Zé Pereira, a loja de ferragens e tecidos do Zé Nogueira, o consultório médico do Dr. Walter, o fliperama do Nelsinho da Zizi, além de toda uma plêiade de tipos populares que por ali perambulavam, como o Nô Groselha, o Zé do Angá, o Zezinho do Olegário, o Doutor da Mula Ruça, o Pedro Sapo, o Paixãozinha, as Côcas, o Gabiru, o Roberto da Lurdes do Cici, o Miss Itaúna, o Cabo Solange, mais o Catarino, o Mário, o Concesso, o Brandão e outros homens fardados da Rádio Patrulha – a famosa Rapa –, entre outros. O lugar mais frequentado neste pedaço da Gonçalves da Guia era a Gruta Tip Top, do “Seu” Antônio, que ficava exatamente no coração da Praça do Capeta, no pé do morro. Os homens sempre faziam parada na Gruta Tip Top para molharem a goela antes de subir para os ambientes festivos da zona boêmia. Nesse bar nós moleques, engraxates, vendedores de picolé e meninos da rua, também comparecíamos, cheios de fome de comer um ‘pão moiado’ com groselha. A Gruta Tip Top era pequena, mas sempre cabia mais um sujeito que andava necessitado de dessedentar sua vontade num copo de cerveja ou num gole de cachaça – e também aqueles meninos sujinhos que tinham o olho maior que a barriga pra tudo que é modo de comer.
Muitas famílias morriam medo de passar na Rua da Coreia e só o faziam – de cabeça baixa e com um terço em riste – na época da Festa do Reinado. Muita gente de família morria de vontade de conhecer a zona boêmia e sonhava em fazê-lo às escondidas. Conta-se que uma mãe ao saber que sua filha caminhara pela Gonçalves da Guia num dia que não era de festa dos congadeiros, advertiu com firmeza: “Minha filha, desse jeito que você anda, acaba virando prostituta”, ao que a menina sussurrou animada: “Deus te ouça, minha, mãe. Deus te ouça”.