Que história é essa? A rua Gonçalves da Guia – parte I

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Sílvio Bernardes

O escritor e historiador João Dornas Filho, em seu livro “Efemérides Itaunenses” (Edições Calazans – 1951) registra que no dia 11 de janeiro de 1787 foi lavrado o testamento do português Antônio Gonçalves da Guia, em sua casa, no Alto do Rosário, pelo padre Antônio Gonçalves de Morais Castro. O velho bandeirante português conhecido por Gonçalves da Guia foi um dos primeiros moradores do Arraial de Sant’Ana do São João Acima no século XVIII. Mas, a história de Itaúna ensina que ele não foi, como muitos pensavam, o fundador dessa cidade. Ele era sim um homem importante que a gente conheceu quando aprendeu as primeiras letras no grupo escolar, um bandeirante que ajudou a desbravar as terras que um outro português, Gabriel da Silva Pereira, encontrou em suas andanças. Teria sido o Gabriel o primeiro a chegar e a chamar de sua essa sesmaria abençoada por Sant’Ana. Mas Gonçalves da Guia dá nome a um dos mais antigos logradouros públicos do lugar, uma rua que tem início no centro da cidade e termina no bairro Santo Antônio – perto do antigo Mirante.

A rua Gonçalves da Guia é emblemática na cidade por ter abrigado por muitos anos a tradicional zona boêmia, que se estendia por uma grande parte de seu pedaço mais íngreme. Inclusive, o alto em que desembocaria a conhecida via (na Cava), em frente à Capela do Rosário – rumo ao bairro Santo Antônio –, se instalara o “Cantinho do Céu”, parte significativa dessa zona de baixo meretrício ou simplesmente zona boêmia. Ali, no ‘Cantinho do Céu’, havia mulheres muito maquiadas e cheirosas, que se vestiam com certa estravagância e que namoravam os rapazes de toda a cidade, com os quais sorriam e dançavam ao som de Diana e Odair José da radiola do Bar do Derli. A Gonçalves da Guia começava no centro da cidade, exatamente no Bar e Restaurante Automóvel Clube, cujo proprietário era o Zé da Ramira – meu futuro patrão no saudoso e requintado “Buteco”. A rua teve seus encantos nos anos de 1950 até à década de 1980, já que seu início na Praça da Matriz contava com o Automóvel Clube, a rodoviária (minúscula), o Cine Rex, o Teatro Mário Matos, os famosos Bar Azul, Restaurante Rodoviário e Chopita, os pequeninos e aconchegantes Buraco do Tatu, Bar do Miranda, a Loja Princezinha do Zé Mendes Nogueira, a banca de revistas do Agostinho, o banco do Brasil e o banco Mercantil, entre outros. O povo comparecia diariamente a esses lugares fazendo da Gonçalves da Guia o espaço mais frequentado daquela comuna brilhante.

E na parte mais inclinada dessa subida, a Gonçalves da Guia perdia o seu nome pomposo que homenageia o bandeirante português e virava tão somente a Rua da Zona ou melhor, a Rua da Coreia. Esse ponto compreendia a Praça do Capeta (ou Praça João Nogueira de Faria, onde hoje funciona o Central Park) até o Cantinho do Céu, ao lado da capela do Rosário. A Rua da Zona ou a Coreia foi, indubitavelmente, uma parte muito significativa na história da cidade; seus frequentadores que o digam – useiros e vezeiros nos botequins da boêmia (Bar do Cici, Casa da Jane e do Luizinho da Zizi, Bar do Derli, Bar do Pingo, Bar do Nem, Bar do Zito etc.). Muitos desses boêmios já não se encontram nos planos terrenos há muito tempo. Também os prédios que abrigavam os espaços da boemia – e as casas das nossas prostitutas – foram substituídos por outros mais espaçosos e modernos que melhor atendem à especulação imobiliária.

Quando criança eu morava na esquina das ruas Gonçalves da Guia com Harmonia, na Cava, no bairro Santo Antônio. A Rua da Coreia era, então, meu destino de todo dia, seja na condição de estudante (do Grupo Zé Gonçalves de Melo), de engraxate na Praça da Matriz, de vendedor de picolé na Praça do Capeta e adjacências e de vendedor de balas no Cine Rex. Por um tempo eu fora, também, fazedor de pequenos serviços para aquelas moças da Coreia, comprando coisas (comida, cigarros, remédios…), levando recados etc.

Da Cava para baixo, sentido bairro Santo Antônio, a Gonçalves da Guia era quase insignificante, como nome de rua, eu falo.  Havia umas casas simples que abrigavam uma gente humilde que povoou minha meninice, como o tipo popular Berrinha, o “seu” Luiz Carpinteiro, a família da  Cutita, da Lia do Levino e do jardineiro Augusto. Um extenso terreno pertencente à família do Bossuet Guimarães ocupava grande parte do logradouro público e nele ficava o nosso campo de pelada, onde os adultos jogavam inesquecíveis partidas de futebol e os moleques brincavam de bicicleta, patinete, bente-altas, pique-esconde, polícia-e-bandido etc.

(Continua na próxima edição)