Que história é essa? A rua Gonçalves da Guia – parte III

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Sílvio Bernardes

Na rua Gonçalves da Guia (na Praça da Matriz), esquina com a Coronel Francisco Manoel Franco, ficava o Bar Rodoviário – restaurante, diziam –, que tinha uma comida que cheirava longe. Pense numa comida cheirosa, que dá vontade de comer todinha e até lamber o prato? Era de lá. Na minha infância não tive muitas oportunidades de saborear aquelas delícias culinárias, mas pude apreciar o cheiro dos pratos. Ficava na porta como um cachorrinho faminto, sentindo o cheiro e o sabor. Cheguei a ir algumas vezes ao restaurante buscar uma marmita para uma senhora muito bacana lá da zona boêmia e, confesso, tive vontade de fazer que nem o moleque Sebastião Maia – entendedores entenderão –, abrir a quentinha e devorar alguns pedaços de carne cozida. Mas a dona era muito boa e me dava uns trocados generosos.

Um pouco abaixo do Bar Rodoviário havia a Chopita, o Bar do Miranda – que tinha um pão com molho delicioso – e o Buraco do Tatu, do Chico. O Buraco do Tatu ficava espremido entre o Cine Rex e o Bar Azul, onde hoje se ergue o majestoso Edifício Benfica. De dentro do Buraco do Tatu havia uma porta estreita que levava ao segundo andar do prédio do Cine Rex. Neste lugar havia um dormitório administrado pelos irmãos Claret e Miltinho Magalhães e, ali numa salinha, apanhávamos, toda noite, os balaios de metal e os produtos para vender no cinema: “bala, drops, chocolate”. Antes da sessão começar vendíamos e comíamos aquelas coisinhas deliciosas e, por comer muito, quase não recebíamos uma remuneração pelo trabalho de vendedor de balas. A conta não fechava, meu Deus! E a mãe reclamava: “Trabalha e não ganha nada. Tá pagando pra trabaiá”. Mas a gente se divertia à beça, além de chupar balas e comer chocolate o tempo todo. O dormitório dos Magalhães estava sempre cheio de gente, um povo simples: vendedores ambulantes, artesãos hippies etc. E num buraco no telhado – neste andar superior –, bem em frente à tela do Rex, assistíamos a filmes proibidos para menores. Ali, espremidos e mal acomodados, estávamos longe da vigilância familiar – se é que havia – e do ‘comissário de menor’, implacável  e de cara feia.

No Bar do Miranda também tomei muita coca-cola com pão com molho – apimentado que dava gosto. E ali aprendi a jogar Totó, com meu amigo Dreifus. Aprendi é uma maneira tosca de dizer que eu jogava. Aprender mesmo são outros quinhentos.

A primeira subida da Gonçalves da Guia trazia alguns comércios conhecidos de tempos mais antigos, como a empresa de ônibus dos irmãos Lara, as fábricas (de fogos e de macarrão) do José Rosa dos Santos, a loja de autopeças do José Luiz Guimarães, a Princesinha do José Mendes Nogueira e a alfaiataria do José Fernandes de Souza. Até pouco tempo, na calçada no número 152 da Gonçalves da Guia, estava escrito: “José Fernandes Alfaiate”. Os anúncios de ‘A Princesinha’ diziam: “O mais completo estoque da cidade, com especialidade em artigos para presentes, esporte, cama e mesa; linhos nacionais e estrangeiros, casimiras e tropicais; máquinas de costura, de pé e de mão; sedas finas. Exclusividade das afamadas camisas ‘Tannhauser’ e gravatas ‘Arky”. Neste ponto da Gonçalves da Guia moravam a família do Zé Mendes Nogueira, do Zé Luiz Guimarães, pai do futuro professor e político Zezé Tatu; do Bossuet Guimarães, do Zé Rosa dos Santos, do Davi Duarte e do tipo popular Zé do Angá. O Zé do Angá andava de namoro com a Margarida Baixinha e com ela teve uma filha, a filha da Margarida. E noutros tempos também namorou a Maria Branca. O Zé do Angá e Maria eram pais do Carlinhos, meu amigo de infância de infância, que era um galã e uma espécie de reencarnação de Narciso. Vai gostar de um espelho assim no raio que o parta.

Nuuu que tanto de ‘Zé’ tinha naquele pedaço de rua, sô!!!

Antes de chegar à Praça do Capeta, a Gonçalves da Guia quebrava para a rua Diógenes Nogueira, onde, no comecinho, em frente à loja do Davi Duarte, numa espécie de furna, embaixo de uns prédios antigos – em que hoje situa-se o edifício Central Park – morava o famoso (sic) Capeta. Foi por causa dele que atual Praça João Nogueira de Faria ganhou a denominação trevosa. Mas essa história fica para uma outra crônica.

 (Continua na próxima edição)