Sílvio Bernardes
A gente costuma chamar os zoto por apelidos como forma de tratar com carinho – ou não. Tem apelido que é ofensivo, fio. Não tem graça nenhuma. Mas a gente chama porque a nós, também, colocam nomes destacando a nossa dificuldade, a nossa feiura, o nosso problema, a nossa encrenca. Quando menino, não sei porque cargas d’água, me chamavam de “toquinho de açougue”, “pouca sombra”, “pintor de rodapé”, “nelson ned”. Eu ficava triste com isso? Acho que não. Muitas vezes, até achava graça e não perdia a chance de devolver com a mesma moeda, sem nenhuma malquerença. Inventava ou copiava apelidos para os meus colegas, para o povo do meu bairro, da minha rua: “vara-pau”, “bambu vestido”, “graveto”, “lombriga”, “tição”, “zaroio”, “quatro-oio”, “dentuço”, “linguiça”, “macarrão da santa casa”, “cabeça de fogo”, “pingolinha”…
Os apelidos povoam a nossa infância e muitos crescem com a gente, nos acompanham, até, ao fim da vida. E muitas pessoas adotam o apelido como seu nome ou complemento deste, especialmente quando se candidatam a algum cargo público. Nas minhas incursões de engraxate de sapato, vendedor de picolé e de bala no Cine Rex, jornaleiro e – pasmem – jornalista e professor, tenho visto muitos homens e mulheres, de todas as idades, carregando apelidos. Uns muito esquisitos, outros divertidos, simpáticos e carinhosos. “Gatinho”, por exemplo. Não soube nunca o seu nome verdadeiro. Também o “Lula” (o cabeleireiro, não o presidente Luiz Inácio) e o Lua, barbeiro. Tinha a Nica, da minha infância e também a Ninica, minha colega da Universidade. Conheci a Preta do Cará, a Verdura e Maria Gamela. O Nô Groseia frequentava a Praça do Capeta, onde também pontuavam a Lica Coca, o Zezinho do Olegário, o Pingo, o Zito, o Busgaia, o Cabeludo, o Zezé do Imídio, o Dico do Osório, a Zelo, o Juquinha Xavier, o Zé Como-Vai, o Miguel do Juza, o Nelsinho da Zizi, o Gamela, o Pedro Sampo, o Pinguinho e o Dr. da Mula Ruça.
No mundo do jornalismo conheci o Meinha, o Lasquinha, o Mona, o Xuxu, o Piu, a Bea, o Altamirando Pontes, o Pulunário Franco, o Dr. Lascotine, o Funcinho. Nas escolas por onde passei me falavam da Aparecida Macaca, do Candinho, do Geraldo Boró, do Dr. Maninho, da Teó… Professor não atende por apelidos, mas os alunos não perdoam e, pelas costas, criam os mais hilários e impiedosos: Visconde de Sabugosa, Espanador da Lua, Garçonete da Santa Ceia, Mr. Magoo, Professor Girafales, Seu Madruga, Tampinha, Chaveirinho, Gargamel, Papai Smurf, Pililiu, Crânio…
Itaúna é um celeiro… de arte e de coisas erradas. Isso quem me dizia era uma colega de trabalho, que ainda se diverte com as alcunhas, consentidas ou recusadas, de pessoas simples e ilustradas, de anônimos ou famosos. O prefeito era chamado de Lola, somente por alguns mais íntimos; o vereador, Gatão, era conhecido de todos, como também o Zezé Tatu, o Antóim Italiano, o Pite, o Milton do Miguelão e o Tunico dos Garcias; o deputado Gato Guerreiro, era assim tratado somente por alguns de seus admiradores, que o apoiavam em tudo. Era um mito para esses. E tinha, também, o prefeito Bandinho, o candidatíssimo Manoel da Custódia e outro, o Zé Biscoitão.
E tome apelidos, acudidos pela memória: Zinho, Baru, Mampu, Tuíra, Sapão, Sapatão, Zé do Angá, Bengala, Pão Véio, Bilau, Buiú, Çãozica, Gabiru, Raimundo Bunda, Raimundinho Peidorreiro, Antóim Catarrento, Maria Tomba-Homem, Zinha Pomba Fria, Castor, Beijo, Pauzinho, Quati, Chiclete, Purina, Lela, Cici, Lili Salera, Manel Alegria, Manel da Zinha, Zé da Mecânica, Zé do Dui, Tiaca, Dotor, Diriu, Bilão, Pupá, Estelona do Zé Máximo, Boca de Sanfona, Naningo Neto, Mineirinho, Manguinha, Frajola, Baratinha, Picolino… Um dia escreveram no muro da casa do Picolino: “Nessa casa todo mundo dá”. O dono da casa não gostou, foi lá e escreveu sob a mensagem original: “De menos o Picolino”. Por hoje é só, somente só.