Que história é essa? Campanhas eleitorais de antigamente

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Sílvio Bernardes

Vendo aqui esse povo se insinuando como candidatos (pré-candidatos) às eleições municipais, fico pensando que já faz muito tempo que outros postulantes também se insinuaram para o lado do eleitor, fazendo chamego, jogando toda a sua habilidade (e charme) de conquista. Mas isso era tão diferente e distante dessas intercorrências pré-eleitorais de hoje em dia, em tempos de internet e conversação virtual. De primeiro, como diz outro, as investidas e caçadas ao eleitor eram ali no tête-a-tête, no cara-a-cara, no corpo-a-corpo. Candidato que se prezasse tinha que gastar muita saliva, muito lero-lero e sola de sapato. Como paga, tomava cafezinho o dia inteiro e, nos finais de semana, filava uma boia caprichada – de responsa – na casa do eleitor ou do seu cabo eleitoral favorito, com toda a família reunida. Ah, o cabo eleitoral… esse também tinha que suar a camisa, botar o bloco na rua, andar que nem cachorro que caiu do caminhão de mudança. E dar tapinhas nas costas, sorrir de tudo e para todos, caprichar nos adjetivos para os eleitores, familiares e agregados.

E falando em filar boia na casa dos eleitores, lembro-me de um candidato a deputado, gente da elite, empresário, um sujeito meio pó-de-arroz, cheio de não-me-toques. Um dia, deu na telha do dito cujo acompanhar o seu cabo eleitoral –  que era do povão e para o qual não tinha tempo ruim e nem meu pé-me-dói – num almoço de uma festa de Congado, na casa de uma rainha afamada, apinhada de gentes. O doutor candidato até que tentou ser simpático com toda aquela gente festeira e festiva. Pode se dizer que não fez feio nos apertos de mão, nos tapinhas nas costas, nos sorrisos e, até, nos abraços acanhados. Na hora do rango é que a coisa complicou. O doutor instalou-se num banco de madeira embaixo de uma frondosa mangueira, no terreiro da frente da casa dos congadeiros. Botaram em suas mãos delicadas e gorduchinhas uma pratada de cumê: arroz, tutu de feijão, maionese, macarronada e um pedaço generoso de frango (uma coxa carnuda). O pobre homem olhou para aquela refeição e até tentou sorrir, mas ele suava em bicas – mês de agosto por essas bandas faz um calor danado, apesar do vento. Ele buscou socorro em seu cabo eleitoral, mas custou a encontrá-lo detrás de uma montanha de comida, ainda maior que a sua. 

– E agora, Geraldo, o que eu faço? – O doutor candidato nem sabia por onde começar, para dar conta daquela comeria toda.

–Vamos lá, doutor, mete a cara aí que o trem tá bão demais. Daqui a pouco nós vamos subir esse morro e acompanhar as guardas, de coroa na cabeça, viu? Isso tá bão demais, doutor!

Alguém ainda ofereceu a ele uma cachacinha, mas ele preferiu um copo de guaraná.

Os tempos da política eram outros por essas bandas. Tempo de amarrar cachorro com linguiça, do voto de papel e do voto de cabresto, dizem. Os currais eleitorais engordavam o gado e davam boa vida aos candidatos, como o nosso doutor, enfastiado com tanta comeria e cafezinho na casa dos pobres.

– Minha filha do céu, tô cagando preto de tanto café que eu tomo o dia inteiro na casa desse povo! Meu maxilar tá deslocado, esse sorriso não me sai mais da cara. Tá pregado aqui, ó!.

Os comícios aconteciam por todas as quinze bandas, na maioria das vezes em cima de caminhões. Ao lado dos candidatos os artistas faziam seus espetáculos e eram, na mais das vezes, a razão de tanta gente nos “showmícios”. O “eu prometo!” se misturava com as modas de viola, com os jingles de campanha, com aquela festividade que fazia a alegria das pessoas de todas as idades num tempo em que as campanhas eleitorais eram ao vivo e em cores.

Nos comícios pré-eleitorais havia sempre um bêbado – às vezes mais de um –, um doido (também) e um puxa-saco do candidato, para além do cabo eleitoral oficial. O bêbado, ficava quase sempre enchendo o saco de todo mundo e desmentindo a fala do candidato. O doido, ria de tudo e fazia todo mundo rir de tudo também. O puxa-saco, era o primeiro a puxar as palmas e a dizer algumas palavras motivacionais para o candidato, tipo: “falou pouco, mas falou bem!”, “apoiado”, “já ganhou!”, “ô sujeito que fala bem! E ô homem cheiroso, gente!”.