Que história é essa? Catiras e catireiros

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Sílvio Bernardes

Não existem mais catireiros – não falo dos dançadores de catira, o que digo é sobre os fazedores de catira, os barganhadores, os negociantes de trocas. É claro que existem – e muito – políticos que barganham votos com pessoas mais humildes, geralmente desassistidas das políticas públicas. E como têm por essas bandas esses aproveitadores – dos dois lados. Mas, aqui, estou falando de outro tipo de troca. No meu tempo de criança, a gente falava “berganha” ou “breganha”, para denominar aqueles negócios dos que gostavam de trocar tudo com todo mundo. Os entendidos do assunto atuavam sempre levando vantagem. O bom catireiro, diziam, não leva manta – não sai no prejuízo.

O último catireiro que conheci foi o meu tio Jorge, que os amigos, igualmente catireiros, chamavam de Jorge da Zenóbia. Há poucos dias o tio Jorge partiu para o plano espiritual no alto dos seus 84 anos. Trocara sua vida cheia de problemas de saúde por um céu de infinita duração. Acredito que até pouco tempo, na terra, o meu tio, metido lá na sua roça, ainda mexia com as suas catiras de pouca monta. Mas, noutras épocas, o tio Jorge era danado. Trocava alhos e bugalhos: passarinho, bicicleta, móveis, eletrodomésticos, espingarda, obras de arte, imóveis… A gente sempre que chegava em sua casa encontrava uma novidade – “acabei de breganhá”, contava maroto. Isto, quando a gente não era surpreendido com a notícia de que ele havia se mudado, trocado a casa por uma outra, sabe-se lá Deus onde.

Os moleques também eram catireiros. Viviam num troca-troca de fazer gosto… Figurinhas, bolas de gude, revistas usadas, bodoque, papagaio, baratinha, calendário de muié pelada, bicicleta… tudo entrava nos negócios dos meninos. Não era raro um dos moleques da nossa turma vir com a novidade no caminho da escola: “menino de Deus, passei uma manta no Fulano! Sabe aquela coleção de bolinha de gude do otário? Agora é minha, dei pra ele uma manivela mequetrefe com um muncadinho de linha só.  Passei ou não passei a perna no cara?” E, nesses negócios, a gente ainda juntava uma quadrinha apropriada, que era batata: “trocadinho, trocadão, quem destrocar é um grande ladrão”. Em situações como essas a catira do menino poderia ser desfeita quando houvesse a interferência de uma terceira pessoa: um irmão mais velho – e mais forte – da parte em prejuízo, o pai ou mãe que não gostava desse negócio de catira e de troca-troca. Mas, na maioria das vezes, o negócio era pra valer.

Nas catiras de adultos a coisa nem sempre era bem recebida pela família. Tinha gente que punha a mulher e os filhos – quase sempre quem fazia catira era o homem – em situação difícil. Trocavam animais da família: uma cadela prenha por umas  galinhas magras, cabritos por coelhos – e descobrir depois que não eram coelhos, mas porquinhos da Índia. E havia ainda aquele que barganhava até a patroa, a mãe dos filhos, por uma mais moça ou menos gasta.

Mas, nenhuma situação foi mais hilária que a do pai de um amigo que barganhou o velho Fiat 147 vermelho – uma lata velha – por uma charrete e um burro. A cena foi cômica quando o sujeito, que saíra de carro há poucas horas, retornar à casa “montado na charrete”, feliz da vida: “troquei na oreia”.