Que história é essa? Conversa vai, conversa vem…

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Sílvio Bernardes

– Nuh, véio, isso é coisa de pobre!

– Uai, a gente era o que? Pobre pacas! Humirde.  Pobre e feliz. Vendia abacate na rua. Eu vendi também alface. E ferro velho e papelão pro Zé da Cezelina. E vendi picolé Skimone e Cremel

– Ah, picolé também eu vendi. Vendi chup-chup, que eu mesmo fazia. Ganhei um dinheirão. Comprei até uma bicicleta “Monark Olé 70” com o dinheiro. Cê lembra disso?

Eram dois sujeitos, um grisalho e o outro definitivamente calvo, numa conversa interessante na mesa de uma churrascaria.

– Tinho, traz mais uma geladíssima aqui pra regar essa prosa! Mas, falando nisso, você se lembra do leite “Vaquita”, o primeiro pasteurizado que apareceu por aqui? Antes a gente comprava o leite na cooperativa ou na carroça do “seu” Gonzaga, leite gordo, que a gente fervia e quase sempre derramava sujando a chapa do fogão. A mãe ficava pê da vida quando a gente deixava o leite derramar.

– Isso mesmo, sô!  Aí veio o leite de saquinho, uma novidade.

– Pois, então! Cê lembra que o povo usava o saquinho vazio do leite para fazer cortina, capa de botijão e até toalha de mesa? Lembra ou não lembra?

– Demais, lavavam bem o pacotinho, costuravam na máquina e faziam grandes obras de arte. Horríveis! De um mal gosto danado. Mas obra de arte para mim eram aquelas cabeças de galo feitas de pano ou de crochê para cobrir o bico do bule de café. Cê lembra disso?

– PQP, é mesmo! Tinha também umas galinhas de bambu para guardar ovos. E os forros de prateleira feitos de papel de embrulho? Cor de rosa, cortados em forma de coração, de desenhos geométricos. E os rolinhos nos cabelos estilo Dona Florinda? A cera Parketina, o piso de vermeião. A enceradeira e o escovão…

– Aí ocê foi no fundo do baú. Não me esqueço de jeito nenhum é das telas de plástico, coloridas, que se colocava na frente da televisão em preto e branco.

– Lá em casa teve uma dessas, de três cores. Maravilha. E tinha também as capas para liquidificador, que combinavam com as do botijão de gás. Os tapetes feitos com saco de aniagem e retalhos de tecidos. As colchas de chenile. As penteadeiras com bibelôs de louça, as flores de plástico (copo de leite e rosas, principalmente) e os pôsteres de artistas da TV colados na porta do guarda-roupa das mulheres.

– É devera, muito louco. Isso é tempo em que a gente catava o feijão pra por cozinhar, coava café no coador de pano, lavava o arroz… tempo de arroz com marinheiro e de pipoca com piruá…

– Rebenta pipoca na língua da Maroca!

– Sentar na cozinha em volta do fogão de lenha e contar histórias de assombração era muito massa.

– Muito massa. Tomar a fresca na calçada junto com os vizinhos, chupando laranja e jogando conversa fora.

Tempo de Merthiolate que ardia. De furúnculo debaixo do braço. De bicho de pé. Da pomada Minâncora e do Biotônico Fontoura.

Tempo de bolinhos de chuva e biscoito frito feitos pela mãe. Que saudade, docê, mãe!

Enquanto os dois senhores mergulhavam num mundo de nostalgia, naquela mesa de bar, um jovem casal ao lado “conversava” animadamente com os seus aparelhos de celular. Certamente os dois jovens nem se deram conta de que um colosso de histórias se passou por aquele ambiente nas lembranças de dois amigos, já homens de idade.