Sílvio Bernardes
(Em 2019 fiz a adaptação de uma crônica do Luís Fernando Veríssimo, intitulada “Estragou a televisão”, para um espetáculo de encerramento da oficina de teatro do Espaço Cultural. O resultado da adaptação textual foi esse aí)
– Taquipariu!… (Homem – saindo do banho, enrolado numa toalha)
– O que foi, homem? Que agonia é essa? (Mulher sentada no sofá, comendo uma banana com u’a mão e segurando o celular com a outra)
– Não viu aí, não fia, a internet deu pau. Nada funciona.
– É mesmo, caramba! E agora? O que será de nós?
– Vamos ter que conversar.
– Vamos ter que o quê?
– Conversar. É quando um fala com o outro.
– Fala o quê?
– Qualquer coisa. Bobagem.
– Perder tempo com bobagem?
– E WhatsApp, Instagram, essas coisas todas, o que são?
– Sim, mas aí é a bobagem dos outros. A gente só vê, curte, compartilha. Um falar com o outro, assim, ao vivo… Sei não…
– Vamos ter que improvisar nossa própria bobagem.
– Então começa você.
– Gostei do seu cabelo assim.
– Ele está assim há meses, Eduardo. Você é que não tinha…
– Geraldo.
– Hein?
– Geraldo. Meu nome não é Eduardo, é Geraldo.
– Desde quando?
– Desde o batismo.
– Espera um pouquinho. O homem com quem eu casei se chamava Eduardo.
– Eu me chamo Geraldo, Maria Ester.
– Geraldo Maria Ester?!
– Não, só Geraldo. Maria Ester é o seu nome.
– Não é não.
– Como, não é não?
– Meu nome é Valdusa.
– Você enlouqueceu, Maria Ester?
– Pelo amor de Deus, Eduardo…
– Geraldo.
– Pelo amor de Deus, meu nome sempre foi Valdusa. Dusinha, você não se lembra?
– Eu nunca conheci nenhuma Valdusa. Como é que eu posso estar casado com uma mulher que eu nunca… Espera. Valdusa. Não era a mulher do, do… Um de bigode…
– Eduardo.
– Eduardo!
– Exatamente. Eduardo. Você.
– Meu nome é Geraldo, Maria Ester.
– Valdusa. E, pensando bem, que fim levou o seu bigode?
– Eu nunca usei bigode!
– Você é que está querendo me enlouquecer, Eduardo.
– Calma. Vamos com calma.
– Se isso for alguma brincadeira sua…
– Um de nós está maluco. Isso é certo.
– Vamos recapitular. Quando foi que casamos?
– Foi no dia, no dia…
– Arrá! Tá aí. Você sempre esqueceu o dia do nosso casamento… Prova de que você é o Eduardo e a maluca não sou eu.
– E o bigode? Como é que você explica o bigode?
– Fácil. Você raspou.
– Eu nunca tive bigode, Maria Ester!
– Valdusa!
– Tá bom. Calma. Vamos tentar ser racionais. Digamos que o seu nome seja mesmo Valdusa. Você conhece alguma Maria Ester?
– Deixa eu pensar. Maria Ester… Nós não tivemos uma vizinha chamada Maria Ester?
– A única vizinha de que eu me lembro é a tal de Valdusa.
– Maria Ester. Claro. Agora me lembrei. E o nome do marido dela era… Jesus!
– O marido se chamava Jesus?
– Não. O marido se chamava Geraldo.
– Geraldo…
– É.
– Era eu. Ainda sou eu.
– Parece…
– Como foi que isso aconteceu?
– As casas geminadas, lembra?
– A rotina de todos os dias…
– Marido chega em casa cansado, marido e mulher mal se olham…
– Um dia marido cansado erra de porta, mulher nem nota…
– Há quanto tempo vocês se mudaram daqui?
– Nós nunca nos mudamos. Você e o Eduardo é que se mudaram.
– Eu e o Eduardo, não. A Maria Ester e o Eduardo.
– É mesmo…
– Será que eles já se deram conta?
– Só se a internet deles também deu pau.