Que história é essa? Dona Jesuína – Parte II

0
449
Sílvio Bernardes

 – O  Ataliba batia na senhora? – Eu perguntei um dia, de supetão.

 – Batia? Hahahahaha – respondeu-me ela cheia de ironia, para depois emendar: Ele era doido, mas não era maluco. Eu tinha um porretezinho no canto da minha cama, bom para ele, no caso dele sonhar relar a mão em mim. Ele não era um homem ruim, Silo! Bebia suas pinguinhas todo santo dia, fazia sol, fazia chuva. Não era muito chegado no batente do cabo da enxada, mas trabaiava, tadinho. Do jeito lá dele, um dia vai, noutro dia vai mais ou menos, noutro dia a preguiça amontoa mesmo e o trem num vai. Mas, no ponto de pobre, ele não deixava faltar as coisinhas não. A gente tinha os trem de cumê na nossa casinha. O cumezinho tava sempre pronto, as roupinhas sempre limpa, chão barrido, os caquinhos de louça limpinhos. A coisas eram assim e a vida dava pro gasto.

– Então ele era um sujeito correto, bebia sua cachaça, tratava a senhora com atenção…

– Não era assim essa belezura toda. O Taliba tinha um defeito, ele não comparecia…

– Ahn, como assim?

– Ah, Silo, cê sabe do que eu tô falando. Por causa dessa cahaçada dele todo o santo dia, o homem não dava no couro… Oh (faz com a mão um sinal de queda jogando o polegar pro chão) kkkkkk. Chegava sempre quase nas primeiras sombras da noite, as lamparinas acesas e, ele, cambeta, num bailado de cai-não-cai, se apagava em pouco. Quase sempre sem trocar de roupa, nem tirava o sapato…

  – Sem se lavar.

 – Banho? Hahahaha Nem no sábado, meu fii de Deus. Ah, Taliba! Taliba. Mas, de primeiro, ele foi um moço bonito, cheiroso de água de colônia, bem apessoado. Parecia, quando rapaz, aquele artista do filme “No Rancho Fundo”, que tinha a Inhá Barbina e o Saracura. O Taliba era um rapagão, sacudido. E eu… era uma mocinha bem espevitada. Uma flor ainda em botão. Hoje tô esse cacareco, essa lata véia enferrujada, véia, na hora de bater as botas.

Outro dia cheguei no Asilo e encontrei a Dona Jesuína cuspindo maribondo, botando fogo pela venta. Xingando padre e pedra. Dando coice no vento e murro em ponta de faca.

– Que foi, Dona Jesuína, que desassossego é esse? Acordou com a avó atrás do toco? Levantou com o pé esquerdo?

– Põe pé esquerdo nisso. Uns fedaputa daqui me tiraro o shampoo que tava em cima do meu armário. Tem uns rato da barriga branca aqui nesse asilo que não pode ver as coisas sando sopa. Cambada de fii da puta do zinferno!

Xingou muito, ameaçou que iria fazer isso e aquilo, rezou, prometeu que não falaria nada (?!!) para não ficar com dor nos peito e cair dura no chão. Por fim, queixou-se que estava sem fumo e sem palha…

–  Tenho que pitá para ver seu eu acalmo e não entro numa depressão.

Prometi que iria na lojinha ali perto buscar palha e fumo para ela. Dona Jesuína sorriu e até cantou:

 – Eu perdi meu canivete/ lá na beira da lagoa/ tenho fumo e tenho paia/ tenho paia e tenho fumo/ mas perdi meu canivete…

Tornou-se uma senhorinha alegre e vivaz que nem uma criança quando ganha um delicioso confeito quando lhe entreguei o fumo baio (forte) e um pacotinho de palha.

 – Silo, cê um anjo do céu! Deus te pague!

Não leu a PARTE I, acesse aqui: